Onda furada*
Dora Kramer
Concluídas as eleições, inicia-se a fase das conclusões.
No geral, apressadas quando se trata de fazer projeções. A mais difundida no
momento é a que põe nas mãos do governador Geraldo Alckmin a legenda do PSDB
para concorrer à Presidência da República em 2018, como consequência da vitória
em primeiro turno de João Doria para a Prefeitura de São Paulo, da conquista de
importantes cidades no Estado e da derrota do candidato do senador Aécio Neves
à prefeitura de Belo Horizonte.
Nesses casos de A + B=C, somam-se bananas com laranjas e
trata-se a política como se fosse ciência exata ou como algo que funcione no
piloto automático. No meio, entre um acontecimento e outros há os fatos, há as
circunstâncias e há gente, espécie humana, categoria instável, sujeita aos
efeitos da chuva e das trovoadas.
Experiente no tema, Alckmin tratou anteontem de declarar
algo que certamente não pensa: que, no momento, a disputa de 2018 não está na
agenda dele nem do PSDB. É claro que está, mas é daquelas coisas que o político
precavido não assume. Entre outros motivos para não se queimar e ver se
consegue atravessar a distância entre uma eleição e outra com chance de sucesso
na tarefa de ultrapassar obstáculos.
São inúmeros. Na seara tucana há dois com nomes e
sobrenomes: José Serra e Aécio Neves. Sem contar os respectivos aliados
internos e externos. O primeiro é chanceler e um interlocutor privilegiado no
PMDB. Importantíssimo para a eventualidade da conquista desse apoio caso o
partido de Michel Temer não concorra ou não chegue ao segundo turno em 2018. O
segundo é senador e presidente do PSDB; tem a máquina, portanto. Ambos contam
com visibilidade garantida, além de não terem seus destinos ligados ao êxito ou
fracasso de alguém, como Alckmin precisa de que João Doria corresponda às
expectativas do maior eleitorado do País.
Além disso, a própria história de eleições fornece
milhões de exemplos de desconexão entre resultados bons e maus. Dois deles: em
2008, Geraldo Alckmin não chegou ao segundo turno na eleição municipal em São
Paulo, disputada entre Marta Suplicy e Gilberto Kassab, o vitorioso; em 2014,
Aécio Neves teve menos votos que Dilma Rousseff em Minas Gerais, seu reduto principal,
mas por pouco não ganhou dela na final pela Presidência.
Vamos a outro caso de conclusão apressada que, aliás, dá
título a este texto: a tal da onda conservadora que supostamente varre o País.
Por causa da derrota ampla, geral e irrestrita do PT? Pela eleição de Marcelo
Crivella no Rio de Janeiro? Pela vitória de Doria?
Ora, o fiasco do PT não tem nada a ver com ideologia. Tem
a ver com corrupção e desatino na administração da economia. Ademais, quem
disse que os petistas detém o monopólio do pensamento de esquerda? Governou com
e para a direita atrasada, tratou os mais pobres como consumidores – algo
típico do coronelato arcaico dos grotões. Além disso, seu líder máximo quando
sindicalista declarava não ser de esquerda. Lula vestiu essa roupagem quando
precisou dela para construir um partido.
Doria venceu em São Paulo por ter sabido encarnar com
eficiência o antipetismo. Crivella ganhou no Rio em boa medida pela
autossuficiência do prefeito Eduardo Paes que insistiu em apoiar um candidato
eleitoralmente inviável. De onde o segundo turno entre o bispo aposentado e um
candidato visto como representante de uma esquerda amalucada. Marcelo Freixo,
convenhamos, não chega perto de ser um Fernando Gabeira, que, aliás, perdeu de
pouco para Paes em 2008 quando, pela régua dos arautos da onda conservadora, o
Brasil era de esquerda.
Em momento algum o País teve a prevalência da corrente de
esquerda. Não nos esqueçamos: Lula só ganhou a eleição quando adaptou seu
discurso ao centro e fez uma Carta aos Brasileiros jurando fidelidade à
política econômica qualificada pejorativa e equivocadamente como neoliberal.
*Publicada no Portal Estadão em 02/11/2016