O 'AT' e o 'DT'*
Eliane Cantanhêde
A votação do teto de gastos públicos, principal item da
agenda política desta semana, tende a ser um divisor de águas do governo Michel
Temer. Pela ansiedade no Planalto, a efervescência no Congresso, o envolvimento
direto de Henrique Meirelles e a ofensiva política e midiática do próprio
Temer, a expectativa é de AT e DT: “Antes do Teto” e “Depois do Teto”.
Até aqui, o “Fora, Temer”, a desconfiança da população, a
economia estagnada, os empregos evaporando, as críticas e as concessões
políticas para aprovar propostas essenciais contra a crise que Dilma Rousseff
criou e não teve força política nem competência para frear. O melhor exemplo
dessas propostas é a meta fiscal, mas essa não foi a única vitória do novo governo
no Congresso.
Depois da aprovação do teto, possivelmente nesta
terça-feira, Temer parece convencido de que far-se-á (estilo dele...) a luz: o
mercado vai cair de amores pelo governo, os investimentos virão aos borbotões,
deputados e senadores serão menos vorazes, a imprensa ficará menos cética, a
população vai olhar para ele com novos olhos. E tudo isso vai desembocar na
recuperação da economia e dos empregos.
É preciso combinar direitinho com todos esses russos para
sair de um ambiente tão sombrio para um outro tão solar, além de rezar bastante
para que a Lava jato não afogue um ministro daqui, outro dali. Posta a
ressalva, a vida do governo tende a ficar bem melhor quando, e se, a proposta
de emenda constitucional (PEC) que estabelece um teto de gastos por 20 anos for
aprovada. É o aval para a volta da responsabilidade fiscal e a normalização da
vida econômica – logo, da vida nacional.
É preciso 306 votos, mas nas contas palacianas o projeto
já tem 350 e pode engordar para 380, porque Temer não poupou calorias: tomou
café da manhã com governadores, almoçou com jornalistas, jantou com
parlamentares e hoje mesmo abre as portas do Alvorada para uma ceia de 300
talheres para deputados e suas mulheres já estarem em Brasília amanhã cedo.
Por falar nisso, Temer não gosta nada quando lê, ou ouve,
que o governo “usa” a bela e jovial primeira-dama Marcela para amenizar a
sisudez e o machismo da equipe (ou do próprio Temer?). Mas o fato é que Marcela
adentrou o espaço político com o Criança Feliz e vai com o marido à Índia e ao
Japão, enquanto cuida de um outro símbolo da Presidência: a mudança do Jaburu
para o Alvorada.
No DT, também é prevista uma relação cada vez mais
institucional com movimentos que estão no lado oposto. Eliseu Padilha, da Casa
Civil, já recebeu o MST e depois Guilherme Boulos, do MTST, líder em ascensão
da esquerda urbana. Primeiro resultado: Temer vai liberar todos os documentos
de posse de terra que estavam engavetados com Dilma. E estuda-se um elo entre
MTST e o Minha Casa Minha Vida.
Tudo muito bem, tudo muito bom, mas... a Lava Jato
continua. Temer ganhou gás com a eleição municipal (que furou o balão do PT) e
pretende voar alto com a aprovação do seu principal projeto, mas Justiça, MP,
PF e delatores não mudarão um tico do AT para o DT. Logo, o governo deve
caminhar cada vez mais desenvolto, mas com a Lava Jato nos calcanhares. Ou
melhor, nos calcanhares de todo o mundo político.
Paz. O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos,
agora Nobel da Paz, mandou três recados para Lula e Dilma numa entrevista que
me deu em 2010: a guerrilha era um problema interno da Colômbia, não aceitava
mediação brasileira nem da Unasul e reclamava que o Brasil (enfim) declarasse
as Farc como “grupo guerrilheiro”. “A única forma de abrir algum diálogo com
eles (as Farc) é abdicarem de ações terroristas, e o Brasil e o mundo precisam
compreender isso”, alertava. Assim foi feito. Parabéns a Santos!
*Publicado no Portal Estadão em 09/10/2016