Rotatividade delituosa*
Dora Kramer
A Casa Civil é o mais importante gabinete da Esplanada
dos Ministérios,
o mais próximo da Presidência, aquele que tem o maior espectro
de atribuições político-administrativo no assessoramento direto de quem ocupa
a
chefia da República.
O titular é a pessoa que avalia e monitora atos
presidenciais – aqui incluído o exame prévio da constitucionalidade de cada um
deles –, acompanha a execução de ações governamentais da Presidência e demais
ministérios, supervisiona o andamento das propostas do Executivo no Congresso,
passa o pente-fino em cada palavra a ser publicada no Diário Oficial,
analisa o mérito dos projetos, fiscaliza o andamento das propostas, faz a
interface com o Parlamento, toca, enfim, a República.
Explicito isso para que o prezado leitor e a cara leitora
tenham a exata noção do que significa o posto ocupado nos governos dos variados
partidos e do PT por nove titulares. Daí talvez lhes facilitem a compreensão
sobre a gravidade de cinco deles serem acusados, condenados ou investigados por
corrupção.
O primeiro e mais poderoso, José Dirceu, cumpriu pena em
decorrência do processo do mensalão e foi preso outra vez por decisão do juiz
responsável pelo caso do petrolão. Certamente sofrerá novas condenações. Dirceu
é aquele cujo braço direito nos primórdios do governo de Luiz Inácio da Silva,
Waldomiro Diniz, foi pego pela exibição de um vídeo em que tentava extorquir o
bicheiro, dito empresário, Carlos Cachoeira.
Um tempo risonho. Franco e de alguma forma até ingênuo a
julgar o que viria depois. Dirceu sucumbiu ao escrutínio do Supremo Tribunal
Federal e antes sofreu a cassação do mandato na Câmara numa situação muito
semelhante à de Eduardo Cunha, sendo um todo-poderoso que não resistiu aos
fatos. Isso numa época em que a votação para esses casos era secreta.
Deu-se um trauma no governo Lula que, para superá-lo,
nomeou Dilma Rousseff, a ministra de Minas e Energia de então, para o posto. Já
na ideia de construção da candidatura de uma “mulher honesta” que viria a
parecer tudo menos honesta. Elegeu-se presidente e no mandato subsequente
sofreu o segundo impeachment em menos de 25 anos da história brasileira.
Em seguida a Dilma, ocupou a Casa Civil Erenice Guerra,
até então o chamado braço direito dela. Não durou no cargo, do qual precisou
abrir mão quando das evidências de prática de influência dela e da família no
governo. Erenice hoje está na mira de Curitiba.
Por breve período de dois meses durante a campanha
eleitoral de 2010, Carlos Eduardo Esteves foi o chefe da Casa Civil enquanto
Dilma cuidava da própria campanha da qual, uma vez eleita, nomeou Antonio
Palocci para a Casa Civil. Isso a despeito de o personagem já ter tido várias
denúncias, dentre as quais as do recebimento de propinas por causa de um
repentino aumento de patrimônio e de ter, por isso, perdido o cargo de ministro
da Fazenda.
Hoje Palocci está preso, sob a acusação de extorquir R$
128 milhões da empreiteira
Odebrecht. Sua sucessora, Gleisi Hoffmann, encontra-se nas malhas da Lava Jato
por obra do caixa 2 da Petrobrás do qual, segundo os investigadores, teria
recebido R$ 1 milhão resultante de propinas acertadas por
ocasião de contratos firmados pelo governo com a Petrobrás.
Depois de Gleisi foram nomeados Aloizio Mercadante,
Jaques Wagner e Eva Chiavon (militante do MST), descontada a fracassada
tentativa de acolitar Lula na Casa Civil para protegê-lo da ação do juiz Sérgio
Moro. Não se protegeu nem impediu abertura de procedimento por obstrução de
Justiça.
De onde é de se concluir que a Casa Civil foi tratada nos
anos do PT no poder como a casa da mãe Joana.
*Publicado no Portal Estadão em 28/09/2016