O sucateamento
das agências*
Os gastos e investimentos de um
governo são um bom indicador das prioridades de seu governante. Indicador
igualmente eficiente da (in)capacidade do governante é o gasto que deixou de
fazer em setor estratégico para o País. Como amplamente provado no processo de
impeachment, a presidente Dilma Rousseff não se furtou a praticar as pedaladas
fiscais para maquiar a realidade das contas públicas e continuar bancando
aquilo que, segundo o juízo do partido, eram suas vitrines eleitorais.
Mostrava, assim, não nutrir especiais escrúpulos em gastar o que não tinha,
mesmo que tal gastança confrontasse a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mais que
cumprir a lei, a presidente e seu partido pareciam preocupados em garantir-se
no poder.
Já em outras áreas, a presidente Dilma não teve
qualquer reparo em dificultar o repasse dos recursos. Foi o que ocorreu, por
exemplo, com as agências reguladoras. Segundo levantamento da entidade Contas
Abertas, entre 2010 e 2015, o total previsto para as agências era de R$ 57
bilhões. No entanto, apenas R$ 19,3 bilhões foram efetivamente gastos. Durante
os seis anos de Dilma Rousseff no poder, apenas um terço do previsto – 33,86% –
foi gasto com as agências reguladoras.
Tal porcentual revela com precisão o desleixo
petista pelas agências, como se elas fossem dispensáveis. É impressionante
constatar que os 13 anos no governo federal foram insuficientes para fazer o PT
enxergar a importância das agências, com suas funções de fiscalização e
regulação de setores cruciais para a economia e a população. Fica claro que a
ideologia petista retira a capacidade de ver qualquer coisa que não conste de
seu manual partidário, ferrenhamente circunscrito a distorcidas e ultrapassadas
ideias sobre Estado e sociedade.
Por exemplo, a Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel) tinha em 2015 um orçamento de R$ 5,6 bilhões. Não é certamente um
valor trivial, especialmente num ano de aperto fiscal. Mas a presidente Dilma
repassou à Anatel menos de 8% da previsão orçamentária, que ficou limitada a
apenas R$ 446 milhões. Ora, tal porcentual é claramente incompatível com a
importância da internet e da telefonia na infraestrutura de um país. O bom
funcionamento desses serviços é condição necessária para a economia e para a
população.
Caso emblemático do desconhecimento da presidente
Dilma Rousseff sobre o papel das agências reguladoras – e de como tal
ignorância tem graves efeitos na economia – ocorreu no setor elétrico. Tratando
a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) como se fosse um departamento do
Ministério de Minas e Energia, a voluntariosa presidente quis ela própria
formular as regras do setor, com a imposição de uma artificial redução das
tarifas. A consequência da solução dilmista foi nada mais nada menos que a
quebra do setor, com reflexos tanto na qualidade do serviço como na confiança
do mercado sobre a segurança jurídica das regras de concessão. Simplesmente um
desastre. Tivesse a presidente Dilma respeitado o papel da Aneel, em vez de promover
seu sucateamento, certamente os resultados teriam sido muito diferentes.
Outro reflexo do desleixo petista com as agências
reguladoras foi a quantidade de diretorias vagas. Insistentemente a presidente
Dilma Rousseff demorava um longo tempo para nomear os novos diretores. Em maio,
ao ser afastada do exercício da Presidência, havia 7 vagas em aberto nas 44
agências reguladoras federais.
Não deixa de ser contraditório que o sucateamento
das agências tenha sido promovido justamente por um partido que se diz tão
favorável ao setor público e se opõe a qualquer proposta de revisão das
atribuições estatais. Prega a importância do Estado, mas depois não repassa as
verbas a uma área fundamental para que o poder público não fique à mercê das
forças econômicas. Nessa esquizofrenia fica evidente que, para o PT, Estado
forte é simples sinônimo de partido forte. O que foge disso é descartável.
*Publicado no Portal estadão.com em 11/09/2016