Ato final
Eliane Cantanhêde
Se houve uma surpresa ontem no Senado, foi justamente a
falta de surpresas. Dilma Rousseff repetiu tudo que vem dizendo nesses nove
meses, sobretudo na “mensagem aos Senado e ao povo brasileiro”. E os senadores,
a favor ou contra o impeachment, também ficaram no mais do mesmo. Logo, sem
nenhuma novidade, tudo fica onde estava.
O único fato realmente surpreendente desde as 9h da manhã
foi que Dilma não partiu para o confronto e os senhores senadores e senhoras
senadoras foram duros, mas elegantes.
Ou seja, a sessão histórica foi marcada por um legítimo embate político, mas
com civilidade.
O dia amanheceu com mais uma pancada no ex-presidente
Lula, responsável por Dilma dar um passo maior do que a perna e virar
presidente da República. Indiciado pela Polícia Federal na sexta-feira pelo
triplex dos outros, Lula ontem viu a Receita Federal aplicar pesadas multas e
cortar subsídios do instituto que leva o seu nome, sob acusação de que o
dinheiro das empreiteiras da Lava Jato entrava por uma porta e saía por outra,
por exemplo, para empresa de um de seus filhos.
Apesar do constrangimento, lá estava Lula nas galerias do
Senado para prestigiar Dilma, e carregando um adereço espetacular: Chico
Buarque, ídolo de gerações. Chico perde muito com essa exposição, mas Dilma,
Lula e o PT lucram muito. Virtualmente derrotados no Senado, eles jogam para a
opinião pública e constroem uma narrativa para a história.
Mais uma vez, o grande ausente foi “o povo”, ou seja, os
movimentos pró e contra Dilma e sua excelência, o eleitor. A cerca de um
quilômetro instalada nos gramados de Oscar Niemeyer, para isolar as duas
grandes torcidas, revelou-se um cuidado desnecessário.
Ao discursar, com claque no plenário, Dilma repetiu tudo
o que sempre diz e acaba de escrever na “mensagem”: a tortura, o câncer, é
honesta e vítima de uma injustiça. Logo, alvo de um golpe contra a democracia,
de uma ruptura constitucional, mas resiste, como sempre resistiu. “Entre meus
defeitos não estão a deslealdade e a covardia.”
Citando Getúlio, Jango e JK, mas esquecendo seu
privilegiado interlocutor Fernando Collor, ela disse que, como eles, é alvo de
uma elite que teve seus interesses contrariados. Os crimes de responsabilidade,
disse, são “meros pretextos”. O resto é golpe, golpe, golpe.
Seu alvo frontal foi Eduardo Cunha, o ex-presidente da
Câmara, inimigo número um da opinião pública. Mas é claro que sobrou para
Michel Temer e seu “governo usurpador”. Ficou faltando alguma coisa? Sim,
faltaram duas coisas bastante importantes.
Uma delas foi a tese de convocação de um plebiscito para
antecipar as eleições de 2018, abatida já na decolagem pelo próprio PT. A outra
foi qualquer traço de autocrítica, afora o fato de ter repetido, literalmente,
o que já tinha escrito na “mensagem”: que teve muito contato com “o povo”
nesses meses, foi recebida com reconhecimento e carinho e ouviu “algumas
críticas” pelos seus erros. Convenhamos, é pouco.
Dilma Rousseff foi a primeira mulher eleita presidente,
chegou a bater recordes de popularidade e foi reeleita com 54 milhões de votos,
como não cansa de repetir. Logo, precisou errar muito, mas muito mesmo, para
estar à beira de um impeachment constitucional defendido pela maioria da
sociedade, votado na Câmara e Senado e referendado pelo Supremo. Mas Dilma teve
praticamente dois anos desde a reeleição para admitir um, unzinho erro que
fosse, e não foi capaz.
Diante das perguntas dos senadores, ela traçou um perfil
assustador do governo Temer. Em nota, ele rebateu as “inverdades” atribuídas
“de forma irresponsável e leviana”: não vai estipular de 70 a 75 anos para a
idade mínima de aposentadoria, a extinção do auxílio-doença, a regulamentação
do trabalho escravo, a privatização do pré-sal, a revogação da CLT. Anotem aí,
porque em algumas horas Dilma vai sair de cena e o foco estará em Temer.
*Publicado no Portal estadão.com em
30/08/2016