Teoria e prática do lulopetismo*
Uma coisa é locupletar-se com recursos públicos,
enriquecer metendo a mão no dinheiro do povo. Isso é feio e condenável. Coisa
muito diferente é desviar dinheiro do governo, de suas instituições financeiras
e de suas empresas para os cofres do partido, para financiar a luta em defesa
dos fracos e oprimidos. Isso é bonito, elogiável, demonstra idealismo. Esse
absurdo, sempre subjacente na estratégia política do PT, emerge com força no
momento em que, em desespero de causa, o lulopetismo tenta afinar um discurso
que garanta sua sobrevivência.
A ideia seria o partido fazer uma admissão pública de
culpa pelas ilicitudes que seus dirigentes praticaram, deixar clara, mesmo que
apenas implicitamente, a reprovação àqueles que agiram movidos apenas, ou
oportunisticamente, pela ganância, e pedir desculpas pela prática da corrupção
“benigna”, aquela movida pela nobre intenção de arrecadar recursos para a luta
na defesa dos interesses e da soberania populares. A ideia dessa nova
estratégia, por enquanto debatida intramuros na direção do PT, foi revelada em
matéria de Ricardo Galhardo, no Estado de domingo.
Para exemplificar: José Dirceu e André Vargas, condenados
pela Justiça por se terem beneficiado pessoalmente de atos de corrupção, não
merecem solidariedade pública, pois ofenderam a “ética interna”. Já outro
condenado, o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, arquiteto de amplo esquema de
propinas carreadas para o financiamento das atividades partidárias e de
campanhas eleitorais, é considerado um militante exemplar, um verdadeiro mártir
do lulopetismo.
Um posicionamento firme e claro do PT em relação aos
escândalos de corrupção em que está envolvido e principalmente no que diz
respeito a seus filiados que estão presos está sendo exigido pelos próprios
petistas atrás das grades, que se sentem abandonados pela direção partidária.
Vaccari Neto, por exemplo, ao mesmo tempo que se tem queixado da falta de
solidariedade dos correligionários, argumenta que ações como as da Lava Jato
têm clara conotação política, objetivando a desestabilização do PT. Os
formuladores dessa aberração moral não são alienados – são apenas desonestos e
nada mais.
O próprio presidente nacional da legenda, Rui Falcão, é
um aguerrido defensor dessa teoria. Mas essa é uma questão que aparentemente o
comando petista não considera oportuno discutir publicamente no momento. Ao que
tudo indica, só pretende fazê-lo, no âmbito da estratégia de sobrevivência
política da legenda, lá pelo fim do ano, depois da definição do impeachment de
Dilma Rousseff.
Para aplacar a crescente revolta dos encarcerados que se
consideram abandonados pelo PT, até mesmo Lula tem procurado estimular
dirigentes do partido a manifestar solidariedade a inquilinos das prisões de
Curitiba. É um sintoma de que há alguma procedência nos rumores que circularam
em Brasília, de que prisioneiros como José Dirceu e Vaccari Neto estariam
cogitando contar o que sabem.
Quanto à tese da corrupção “benigna”, é inacreditável que
a aceitem – ou pelo menos a tolerem – intelectuais, acadêmicos, artistas e toda
sorte de celebridades ávidas por se apresentarem como “progressistas” e que por
isso preferem não questionar o princípio imoral e indecente de que os fins
justificam os meios. Com essa miopia deliberada, esses membros da elite
brasileira se recusam a ver que os compatriotas mais pobres são exatamente os
que estão sendo mais gravemente prejudicados pela irresponsabilidade de Lula,
Dilma e tigrada.
É interessante observar que, no momento mais difícil de
sua trajetória, o PT se mantém teimosamente coerente com o ranço populista que
lhe é característico nas origens e na práxis. “Em nome do povo”, tudo se
justifica. Até assaltar os cofres públicos porque, afinal, alegam, o produto
desses assaltos, diligentemente investido em obras e programas sociais por quem
pensa nos interesses populares em primeiro lugar, reverterá sempre em benefício
dos mais necessitados.
Na prática, a teoria lulopetista é outra, como mostra a
Operação Custo Brasil: o ministro do Planejamento de Lula, Paulo Bernardo, ora
preso, foi responsável pelo esquema de propinas para roubar R$ 100 milhões,
para si e para o PT. Aleluia! Os endividados funcionários públicos tomadores de
crédito consignado foram roubados para a maior glória do PT.
*Publicado no Estadão de hoje, 28/06/2016