Nós, mulheres*
Eliane Cantanhêde
Primeira mulher presidente do Brasil, Dilma Rousseff está
afastada do cargo por um processo de impeachment. Primeira governadora eleita,
Roseana Sarney não foi reeleita (voltou com a cassação do primeiro colocado) e
anda às voltas com a Justiça. Primeira prefeita eleita numa capital, Fortaleza,
Maria Luiza Fontenelle foi uma tragédia e comeu o pão que o diabo amassou.
Primeira prefeita eleita em São Paulo, Luiza Erundina engoliu muito sapo do seu
próprio partido à época, o PT.
Será que se foi o tempo em que as pesquisas de opinião
apontavam a preferência por mulheres na política? Eram consideradas mais
honestas, mais confiáveis, mais trabalhadoras, enquanto a lei das cotas
simplesmente não deslanchava – nem as cotas eram preenchidas nem as bancadas
femininas encorpavam. Aparentemente, vai piorar.
No Brasil, discutimos a incompetência de Dilma, a
ausência feminina no primeiro escalão de Michel Temer, as crenças e dissabores
judiciais da secretária dos Direitos da Mulher, Fátima Pelaes, a eficiência da
solitária presidente do BNDES, Maria Sílvia Bastos, e a “bela, recatada e do
lar” primeira-dama interina, enquanto pipocam protestos contra o estupro
coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro.
Na América do Sul, não é só Dilma que está em maus
lençóis. Cristina Kirchner já foi tarde na Argentina, a sensata Michele
Bachelet convive com denúncias contra seu governo no Chile. E a jovem Keiko
Fujimori, de 41 anos, caminhava para mais uma derrota na disputa pela
presidência do Peru. Não sem razão.
Keiko tem bom currículo acadêmico e o Peru deve crescer
em torno de 4% este ano, na contramão do Brasil, que deve recuar mais de 4%.
Mas Keiko não é apenas filha de Alberto Fujimori, ex-presidente que foi
condenado a um quarto de século e está preso por violação de direitos humanos e
por corrupção, mas foi primeira-dama e participou ativamente do governo dele,
inclusive das medidas pelas quais o pai caiu em desgraça e está atrás das
grades.
Se o Brasil convive com uma presidente afastada e outro
interino, o Peru tinha grande chance de escapar de ter também dois presidentes,
uma nos palácios, outro na cadeia. A diferença é que, aqui, os dois estão hoje
em campos opostos. Lá, eles são a mesma coisa, comungam os mesmos princípios,
têm a mesma régua ética. Keiko, enfim, seria a volta do sobrenome e do próprio
pai ao poder. Valia a pena, só por ser mulher?
Nós, mulheres, somos a maioria da população brasileira,
invadimos as universidades, tivemos Dilma, Marina Silva e Luciana Genro
concorrendo em 2014, logo teremos a elogiada Cármen Lúcia como presidente do
Supremo, brilhamos na iniciativa privada, somos chefes de família em milhões de
lares, temos 400 delegacias para cuidar de eventuais violências, comemoramos a
Lei Maria da Penha, conquistamos equivalência de direitos como empregadas
domésticas, temos opiniões políticas fortes – e conhecemos a inflação como
ninguém.
Mas, do outro lado, vimos Dilma trocar seu primeiro
gabinete, de mulheres, por um outro, só de homens, fomos excluídas do primeiro
escalão com Temer, somos minoria na cúpula das grandes corporações, ganhamos
(bem) menos do que os homens em funções equivalentes e não conseguimos nos
impor na política. No Congresso, a bancada feminina fica em torno de 10% na
Câmara e não chega a 15% no Senado.
Economista, com sua fama de “gerentona” e com todas suas
boas intenções de inclusão social, Dilma acabou se confirmando uma inapetente
na política e uma incompetente na economia, corroendo os ganhos sociais da era
Lula. Com isso, fez um mal tão grande à esquerda no País quanto à imagem da
mulher na política. Milhões que votavam no PT estão deixando de votar. Milhões
que comemoraram a chegada de uma mulher à Presidência estão com um pé atrás. Um
estrago e tanto. Aliás, duplo estrago.
*Publicado no Estadão.com em 07/06/2016