Turbulência,
raios e trovões*
Eliane Cantanhêde
A Aeronáutica vive o milagre da
multiplicação de jatos e jatinhos e tornou-se um exemplo da barafunda e mais um
ótimo motivo para o Senado resolver logo o impeachment. Se é para Dilma
Rousseff voltar, que volte logo. Se é para Michel Temer assumir de fato e de
direito, que seja logo também. O que não pode é esticar essa indefinição, essa
insegurança, essa bola dividida.
A presidente afastada não pode sair
voando em avião militar para fazer comício sobre um golpe que não há, mas tem
direito a avião para sua casa em Porto Alegre. O interino pode ir a São Paulo e
para onde bem entender, já que está “em exercício” e cumpre agenda oficial.
Além dos dois, a FAB carrega dois fardos da Câmara, o presidente interino
Waldir Maranhão e o afastado Eduardo Cunha. Só para a São Luís de, e do,
Maranhão, são 2 horas e meia na ida e na volta todo fim de semana.
Sem falar que o advogado-geral da
União, Fábio Osório, exigiu um avião para ir a um evento em Curitiba e, como
não tinha, ligou às 15h diretamente para o comandante da Aeronáutica,
brigadeiro Nivaldo Rossato, dizendo que precisava decolar às 16h. Não havia
Legacy disponível no GTE (Grupo de Transporte Especial, que serve a
autoridades) e Rossato teve de recorrer a um Learjet do 6.º ETA (Esquadrão de
Transporte Aéreo), que tem menos status, mas era mais do que suficiente.
Parecem detalhes, mas mostram o
quanto o País está de pernas para o ar, enquanto as turmas de Dilma e de Temer
berram na Comissão do impeachment em torno de prazos e da inclusão ou não de
novas provas e gravações no processo. O fator tempo é fundamental, o outro dá
um bom (e irônico) debate.
Os neogovernistas querem antecipar o
desfecho em 20 dias: em vez de 15 dias para defesa e acusação, bastariam cinco
para cada, como prevê o Código do Processo Penal. Mas o PT, o PC do B e o PDT
não têm pressa nenhuma. O porquê de cada lado: os aliados de Temer dizem que é
melhor para o Brasil ter um só presidente no início da Olimpíada e que a
incerteza sobre quem manda empaca as medidas econômicas e a recuperação de
confiança no País. Já os aliados de Dilma sabem que, se a votação for já, ela
perde. Logo, preferem ganhar tempo e torcer para que a Lava Jato corroa a
cúpula do PMDB e, por tabela, as condições de Temer.
Detalhe: é melhor para o atual
Planalto que o presidente do Senado durante a fase final do impeachment seja
Renan Calheiros, mesmo que Ricardo Lewandowski presida as sessões. Se, por
essas vicissitudes da vida, Renan vier a seguir os passos de Eduardo Cunha,
virar réu e ser afastado, quem assume é o vice, Jorge Viana. Renan vive às
turras com Temer, mas é do PMDB. Viana não é dilmista, mas é do PT.
Quanto à insistência da defesa de
Dilma de incluir no processo a gravação em que Romero Jucá diz ao delator
Sérgio Machado que é melhor trocar o governo, fazer um acordão e “estancar a
sangria” da Lava Jato: pode ser um tiro no pé.
Se puder incluir essa, poderá
incluir também outras gravações e provas, como o áudio de Dilma articulando a
posse de Lula na Casa Civil para fugir do juiz Sérgio Moro, a delação do
ex-líder do governo Delcídio Amaral dizendo que Dilma manobrou para livrar
empreiteiros da Lava Jato, a da Odebrecht falando que Dilma exigia caixa 2 e os
e-mails citando contas pessoais dela. E as delações dizendo que ela sabia de
todas as tratativas do desastre bilionário de Pasadena?
O fato é que o País está paralisado e
o primeiro passo é o Senado julgar definitivamente se fica Temer ou volta
Dilma. Não apenas porque a FAB é uma só e o combustível de aviação anda pela
hora da morte, mas porque é preciso ter direção e segurança. Um mínimo de
previsibilidade é fundamental em meio a tanta turbulência, nuvens carregadas e
uma Lava Jato jorrando raios e trovões apavorantes.
*Publicado no Estadão.com em 05/06/2016