De volta aos eixos*
Eliane Cantanhêde
A chegada de Michel Temer à Presidência ainda vai sofrer
muitos solavancos, sobretudo nesses 180 dias de interinidade. Apesar disso, a
expectativa é de que as coisas comecem a entrar nos seus próprios eixos. A
oposição será oposição, os movimentos sociais voltarão a ser críticos, os
governistas votarão com o governo. Natural assim, óbvio assim, mas não vinha
sendo nem tão natural nem tão óbvio nos últimos 13 anos.
Já imaginaram que fantástico? A CUT vai descobrir do
nada, subitamente, que há mais de 11 milhões de desempregados na rua da
amargura, precisando de apoio, de protestos e de uma gritaria infernal. Contra
o presidente interino Michel Temer, claro, que nem emplacou uma semana inteira
no poder.
A dócil e governista UNE e as corporações fortemente
petistas que habitam o Ministério da Educação, e ensinam a história ao seu
jeito às crianças e adolescentes do País, vão dormir mudas e surdas num dia,
como em todos os anos de Lula e Dilma, mas acordarão de repente estridentes e
todas ouvidos para denunciar que a educação está o caos que está e que o Fies –
ora, ora – desviou uma dinheirama pública para escolas privadas. Culpa do
Temer?
O MST, tão passivo diante da não reforma agrária de
Dilma, ficará ativíssimo contra a mesma não reforma agrária de Temer. E vai
correr para cavar, plantar e semear crises no campo, invasões de propriedades
produtivas e interrupção das estradas por onde escoa a produção brasileira
interestadual e para o exterior.
O MTST, mais recente no cenário nacional e na órbita
petista, também vai descobrir todas as mazelas nacionais da noite para o dia: a
recessão, a indústria no buraco, a quebradeira de lojas e restaurantes, a falta
de investimentos urbanos. Certamente, por incompetência desse tal de Temer...
Governadores condescendentes com Dilma mostrarão as
garras para reclamar da falência em cadeia dos Estados. Até aqui,
responsabilizavam os antecessores, agora culparão o governo federal. Num
estalar de dedos, descobrirão que o atraso dos salários, pensões e
aposentadorias de gaúchos e cariocas, entre outros, é por causa de uma crise...
nacional! Que Temer e Henrique Meirelles produziram desde quinta-feira!
A guinada é também dos neo governistas. Fiesp e Força
Sindical, que tanto condenaram Dilma e defenderam Temer, estão na linha de
frente contra reformas e CPMF. E vamos assistir ao PMDB, PP, PSDB, PSD, PTB,
DEM, PPS e outros correndo para votar projetos que até semana passada se
recusavam a aprovar para corrigir os erros de Dilma na economia. E por que
mudaram? Ah, porque Dilma era uma coisa, Temer é outra coisa. Mas o País é o
mesmo.
Esse País que está quebrado, com um rombo de mais de R$
100 bilhões nas contas públicas, indo para o terceiro ano de recessão, com
juros e inflação muito acima do razoável, milhões de pessoas sem salário e
renda, zika, dengue, chikungunya e H1N1 fazendo uma festa e a Olimpíada
atraindo olhares – e desconfiança – de todo mundo.
Se a questão ideológica prevalecer sobre a racionalidade
e sobre a urgência de soluções, o Brasil vai continuar afundando e arrastando
os mais pobres e desvalidos da rua da amargura para o poço do desespero.
Jornalistas, artistas, juristas, economistas e políticos sempre dão um jeito
nas crises, mas a tal “base da pirâmide” não pode esperar. É preciso um
consenso nacional mínimo para as medidas mais emergentes, para as votações
fundamentais, para o início da recuperação.
Foi para o vice Temer que a Constituição, pedra basilar
da democracia, apontou depois da tragédia Dilma. Nova oposição, não se esqueça
que quem pôs ele lá e dividiu alegremente o poder com o PMDB nesses 13 anos
foram vocês. Agora, aguentem, para o bem do País.
P.S.: – Quem deve estar gostando é Fernando Henrique.
Antes, tudo era “culpa do FHC”. Agora, a culpa toda é do Temer!
*Publicado no Estadão.com, em 17/05/2016