Ordem e progresso*
Eliane Cantanhêde
A marca “Ordem e Progresso” não apenas prestigia o lema
positivista da bandeira brasileira como contém uma comparação entre o governo
que entra e o governo que sai, por ora, temporariamente. A intenção de Michel
Temer é dar “ordem” à bagunça na administração direta, nas estatais, nos fundos
de pensão e nas agências, além de tomar medidas duras, mas necessárias, para
interromper o ciclo de recessão e retomar um ritmo de “progresso”.
Foi nessas duas direções que Temer montou um ministério
que em muitos casos não faz nenhum sentido para a opinião pública em geral (e
já apanha de corporações e nichos), mas faz sentido quando ele tem de enfrentar
com coragem o problema mais urgente: o rombo das contas públicas. A redução de
ministérios, o enxugamento da máquina e sinais de austeridade são apenas
sinalizações, mas, quando Temer tenta fazer, a gritaria é ensurdecedora.
Muita calma nessa hora. Itamar, Fernando Henrique, Lula e
Dilma tiveram uma trégua ao assumirem a Presidência. Por que não dar uma trégua
a Temer, que chega em circunstâncias muito mais difíceis, em meio a um
somatório inédito de crises? Criticar, sim, mas jogar contra, neste momento,
extrapola para a irresponsabilidade. A estreia do homem forte da economia,
Henrique Meirelles, mobilizou o mundo político e empresarial e o que ficou
claro é que a situação fiscal do governo, já dramática, é ainda pior do que se
imagina. Vem aí uma auditoria nas contas, para ver o tamanho real do buraco.
Aliás, um dos ralos visados pela equipe de Temer é nos
programas sociais, não só para identificar o “mau uso” por incompetência, como
disse Meirelles, mas também para descobrir como, quanto e para quem flui, ou
pode fluir, o financiamento de CUT, MST, UNE e MTST, que ameaçam infernizar a
vida do novo governo. A intenção é secar a fonte, mas distinguindo o que é
“programa social” e o que é gás para “grupos articulados” (e inimigos). Um
terreno pantanoso.
Em seu derradeiro discurso, enquanto militantes agrediam
jornalistas, Dilma acrescentou um novo item na lista para minar a imagem e as
chances do presidente interino. Antes, ela dizia que Temer acabaria com os
programas sociais e bombardearia a Lava Jato. Na saída, disse que ele também
iria “reprimir os movimentos sociais”. Foi uma casca de banana para o sucessor
e uma senha para a militância petista.
O governo não pode se expor a cenas de batalha campal,
mas também não pode assistir passivamente a um punhado de gatos pintados, numa
nova versão dos black blocs, queimando pneus, bloqueando estradas e
prejudicando milhares de cidadãos que precisam ir e vir para escolas, fábricas,
lojas e escritórios, além de caminhões carregados de mercadorias. Nem pode ser
truculento, nem pode ser omisso. Dilma e os militantes trabalham para que seja
truculento.
No fim, ela também lançou outra senha: o marketing contra
o impeachment “no mundo”. Lula, primeiro, e Dilma, depois, foram lenientes com
Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua. Essa brincadeira acabou. Já na
sexta-feira, José Serra iniciava o resgate do Itamaraty e a guinada da política
externa, lançando notas em tom diplomático, mas duras, contra a ingerência
indevida e atrevida desses “bolivarianos” e da Unasul em questões
internas.
O grau e a forma da “repressão aos movimentos sociais”
podem ser discutíveis, mas a reação brasileira à acusação ou insinuação de
“golpe” é inquestionável. E, com certeza, sob aplausos da esmagadora maioria da
população, que está cansada dessa lengalenga da esquerda falida da América
Latina. A Unasul e os bolivarianos que cuidem da Venezuela, país estraçalhado,
onde as pessoas nem têm o que comprar e comer. Aliás, o que anda faltando por
lá é um bom, legal e saudável impeachment...
*Publicado no Estadão.com, em 15/05/2016