Temer, Lula e o pós-Dilma*
Eliane Cantanhêde
Com o rompimento do PMDB, o foco sai
da presidente Dilma Rousseff e passa para o vice Michel Temer, já que o
impeachment ganhou ímpeto e tem até um “deadline”: a chegada da tocha olímpica
ao Brasil, prevista para meados de maio. A intenção é gerar um ambiente de
festa, congraçamento e recomeço – com um novo governo para mostrar ao mundo.
Quanto mais Dilma representa o
passado, mais Temer passa a personificar o futuro, para o bem e para o mal.
Para o bem, porque o vice sonha entrar para a história como o presidente da
transição que reconduziu o País aos trilhos. Para o mal, porque ele vai atrair,
junto com montanhas de adesões, também os raios e trovoadas do PT.
Se o discurso do PT e do governo é de
que está em curso “um golpe” contra a democracia, agora é hora de dar cara,
voz, cor e partido a esse “golpe”. É por isso que o líder do governo na Câmara,
José Guimarães (PT), acusa Temer de “chefe do golpe” e o líder no Senado,
Humberto Costa (PT), ameaça: se Dilma for destituída, Temer “seguramente será o
próximo a cair”.
É a estratégia do medo, enquanto o
Planalto troca as negociações partidárias (no “atacado”) por cooptação deputado
a deputado (no “varejo”). Ambas – o medo e o varejo – são de altíssimo risco e
de resultados incertos porque, quando a onda encorpa, ninguém segura.
Com o rompimento do PMDB, o cálculo
de governo e oposição é que os partidos da base aliada vão debandar. O PSB já
se foi e, aliás, fez um programa de TV duríssimo contra o governo na semana passada.
O PRB também já vai tarde, apesar de a Igreja Universal do Reino de Deus ter lá
seus interlocutores com o Planalto. O PSD libera os correligionários para
votarem como bem entenderem. O PP e o PR serão os próximos.
Dilma acha que, além de comprar um
voto daqui outro dali no Congresso, é capaz de se sustentar graças aos
movimentos sociais alinhados com o PT. Eles vão às ruas agora para gritar
contra “o golpe” e são uma ameaça a um eventual governo Temer – como, de resto,
a qualquer composição que substitua Dilma e exclua o PT. Isso, porém, depende
muito menos de Dilma e do governo e muito mais de Luiz Inácio Lula da Silva.
PT, CUT, UNE, MST... não vão às ruas
por Dilma, mas sim por Lula e o que ele chama de “nosso projeto”, ameaçado pela
Lava Jato e pela quebradeira da Petrobrás, mas principalmente pelo desastre
Dilma, que desestruturou de tal forma da economia a ponto de, como informou
o Estado, fechar 4.451 indústrias de transformação num
único ano, 2015, e num único Estado, São Paulo, gerando milhões de
desempregados. Não foi à toa que em torno de 400 entidades publicaram um
contundente anúncio nos jornais de ontem clamando pelo impeachment.
Aí chegamos a Lula e à conversa que
ele teve com o vice Michel Temer em São Paulo, em pleno Domingo de Páscoa. Lula
não iria a Temer mendigar uma reviravolta do PMDB ou o adiamento da reunião que
selou o fim da aliança com o Planalto. Mas Lula iria ao vice, sim, fazer uma
avaliação dos cenários (inclusive o de Dilma fora, Temer dentro) e discutir um
pacto de convivência que, em vez de destruir a transição com Temer, possa
construir uma chance para o PT em 2018. De forma mais direta: Lula e o PT sabem
que Dilma está perdida e já discutem o “day after”. Partir para um guerra com
Temer em que ninguém sobreviveria ou selar uma trégua para uma recomposição de
forças políticas e a recuperação da economia?
Para todos os efeitos, Lula está
empenhado ao máximo em salvar Dilma. Na prática, está se mexendo para nem ele
nem o PT morrerem com ela. Isso passa por um acordo com Temer e pode chegar a
uma ordem de comando para, no caso da posse do vice, o exército vermelho sair
das ruas e ficar apenas de prontidão.
*Publicado no Estadão.com em
30/03/2016