O voto do Bolsa Família*
O PT não gosta de admitir, mas os fatos são evidentes: o
Bolsa Família tem nítidos efeitos eleitorais. O resultado das recentes eleições
municipais comprovou uma vez mais que o programa social não transfere apenas
renda. Ele transfere votos para o PT. Nos municípios do Nordeste em que mais da
metade da população está inscrita no programa, a derrota do partido de Lula foi
bem menor do que no resto do País, indica levantamento feito pelo jornal 'O
Globo'.
Nas cidades nordestinas com maior concentração de
beneficiários do Bolsa Família, o número de prefeituras administradas pelo PT
caiu 28% em relação a 2012. No País, a queda média foi de 60%.
A relação entre voto no PT e inscrição no Bolsa Família
também pode ser observada no número de prefeituras por região. Na Região
Nordeste, que concentra metade dos beneficiários do programa social, o PT viu
reduzir em 40% o número de prefeituras sob sua administração, em relação a
2012. Nas outras regiões, o tombo foi bem maior. Na Região Centro-Oeste, a
redução foi de 86,8%, seguida da Sudeste (74,6%), Norte (66,6%) e Sul (56,9%).
A conclusão é cristalina: o PT sofreu uma clamorosa
derrota nas eleições de 2016, mas, não fosse o Bolsa Família, o resultado seria
ainda pior. Como se vê, o Partido dos Trabalhadores tem cada vez menos votos, e
os poucos que ainda tem se vinculam mais a benefícios concedidos do que à
proposta política do partido.
Mesmo as exceções parecem confirmar o Bolsa Família como
muleta eleitoral para o PT. Em sentido contrário à tendência nacional, no Piauí
cresceu em 2016 o número de municípios administrados por petistas. Em 2012,
eram 21. Agora, são 38 prefeituras chefiadas pelo PT. Lá existe, porém, uma
peculiaridade bem significativa eleitoralmente: em 85% das cidades em que o PT
venceu no Estado, a maioria da população é beneficiária do programa social.
A muleta eleitoral do Bolsa Família tem provocado também
uma mudança de perfil das cidades administradas pelo PT. O partido perdeu
espaço nos grandes centros urbanos, nos quais, pelo próprio tamanho do
eleitorado, a influência do benefício social sobre o voto é menor. Por exemplo,
nas eleições de 2012, o partido havia conquistado no Nordeste a prefeitura de
sete cidades com mais de cem mil habitantes. Agora, perdeu em todas as sete. O
que restou do poder do partido ficou concentrado em pequenos municípios, com
menor poder econômico e, consequentemente, com uma população mais dependente de
benefícios estatais.
A relação entre Bolsa Família e voto no PT é perniciosa.
Programa social não deve ter finalidade eleitoral. Caso contrário,
institucionaliza-se a compra de voto. O fenômeno não apenas deturpa o resultado
das urnas, fraudando a democracia naquilo que lhe é mais essencial, mas inverte
os próprios objetivos das políticas sociais estatais, que devem existir tão
somente como promotoras de desenvolvimento humano e social. No entanto, quando
os programas sociais se tornam muletas eleitorais, passa a ser interessante
politicamente a manutenção das famílias beneficiadas em situação de miséria e,
portanto, dependentes dos benefícios. Os programas sociais perdem seu sentido
de promoção de autonomia, assumindo caráter oposto, como meios de manutenção da
relação de dependência em relação ao poder público.
Não se trata de mera suposição. Publicada no fim do
primeiro mandato de Dilma Rousseff, a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE já
indicava que os brasileiros mais pobres estavam cada vez mais dependentes dos
programas de transferência de renda. O programa, que deveria ser temporário e
servir apenas como forma de auxiliar os beneficiários em sua luta para sair da
miséria, consolidava-se como a base da sobrevivência dessas famílias,
tornando-as, portanto, clientes permanentes de favores do Estado. Ou, como
parecem falar as campanhas eleitorais petistas – com algum sucesso, diga-se de
passagem –, em clientes permanentes
de favores do PT.
*Publicado no Portal Estadão em 26/12/2016