Última tacada?
Eliane Cantanhêde
16/09/2015
A presidente Dilma Rousseff está
pisando em brasas, pulando erraticamente de lá para cá e, em vez de acumular
apoios, parecendo fazer justamente o contrário. Dilma não consegue conquistar
novas alianças, nem recuperar as velhas e nem mesmo manter a eterna fidelidade
canina dos movimentos sociais ao PT. Aliás, o próprio PT vai lhe escapando das
mãos.
O pacotaço das contas públicas é
duríssimo, na mesma proporção do tamanho da crise econômica criada por uma
combinação explosiva: o voluntarismo, o viés ideológico e a inexperiência da
economista Dilma. E ele veio um tanto tarde demais. Exatamente por isso, mesmo
aliados do governo já tratam as medidas como “a última tacada” de Dilma.
Depois de reconhecer que “demorou” a
perceber o tamanho da encrenca em 2014, Dilma deveria admitir agora que a
apresentação de uma proposta de cortes de despesas e de aumento de receitas
deveria ter sido feita antes de enviar ao Congresso um orçamento maluco, com
rombo de R$ 30,5 bilhões, e antes do rebaixamento do Brasil pela Standard &
Poor’s.
Na verdade, Dilma deveria estar se
preparando para o tsunami – e preparando o governo e o País – desde o primeiro
dia depois de reeleita, lá se vão quase dez meses. Mas a presidente anda meio
distraída, incapaz de ouvir os alarmes sonoros, visuais e reais de que a onda
está crescendo e pode arrastar não apenas o país, mas o seu próprio mandato.
Se demorou muito, Dilma também
escolheu o pior momento para anunciar “remédios amargos”: justamente quando sua
popularidade está no chinelo e sua aceitação no Congresso é constrangedora. E
as medidas são mesmo de doer, como o corte de gastos até em áreas sociais e
particularmente sensíveis à sua base social e como a ressurreição da CPMF para
uma indústria já no vermelho e para uma população que brinda a presidente com
mais de 70% de rejeição.
Sem entrar no mérito do conteúdo
econômico, algo que José Paulo Kupfer e Celso Ming já fazem com o brilhantismo
habitual, vejamos o efeito político do pacote Dilma: ela conseguiu irritar os
empresários urbanos, a área rural, os funcionários públicos, o Congresso, as
bancadas do PT, os movimentos sociais, os estudantes, os concurseiros, os
professores, os médicos. O pacote só foi bem recebido pelo tal “mercado” que
ela tanto odeia. As Bolsas respiraram melhor e o dólar recuou um tanto,
enquanto dez entre dez parlamentares previam que “vai ser muito difícil” o
Congresso aprovar as novidades.
Dilma empurrou o anúncio para os
abatidos Joaquim Levy e Nelson Barbosa e foi se arrumar e arregaçar as mangas
para fazer o que ela nunca soube fazer: negociação política. Jantou na própria
segunda-feira com governadores aliados (aliás, mais aliados no Alvorada do que
parecem fora dele) e ontem passou o dia enrolada em reuniões com líderes de sua
cada vez mais irascível base aliada.
Com os governadores, Dilma acenou com
o aumento da alíquota da nova CPMF – a CPPrev –, de 0,2% para 0,38%, de forma a
ter sobra para os Estados, que estão cambaleando. Foi uma espécie de chantagem,
para que entrem no corpo a corpo com suas bancadas e sejam decisivos para
aprovar o pacote, que, por ora, não passa de mero plano de intenções. Quanto à
base aliada, há muito a dizer, mas fiquemos num ponto crucial: as falas mais
iradas, mais oposicionistas, foram de petistas como os senadores Lindbergh
Farias, eterno líder estudantil, e Walter Pinheiro, que por pouco não aderiu ao
PSOL no início do governo Lula.
Sem o Congresso, sem a cúpula do
PMDB, sem o setor produtivo e sem a opinião pública, o risco da presidente é
ficar sem a CUT, a UNE, o MTST, o poderoso mundo do funcionalismo – e,
portanto, sem o PT. Dilma ganhou ontem uma nota anti-impeachment assinada por
líderes de seis partidos, mas Lula já picou a mula e Michel Temer refugiou-se
convenientemente em solo russo e polonês. Hoje, ela tem boas chances de virar
uma unanimidade nacional – do contra.
Publicado no Portal do jornal O Estado de S. Paulo