A farsa do PT no
campo social
O ESTADO DE
S.PAULO
05 Abril 2015
O Partido dos Trabalhadores (PT) tem
sido motivo de profundas e amargas decepções para quem acreditou em seus
propósitos iniciais. Criado há 35 anos por um grupo heterogêneo composto por
acadêmicos de esquerda, líderes sindicais e católicos identificados com a
Teologia da Libertação, levantou a bandeira da justiça social e da moralização
da vida pública e se propôs a lutar contra "tudo o que está aí", para
garantir os direitos dos trabalhadores e a inclusão na vida econômica dos
miseráveis abandonados na periferia das metrópoles e nos grotões do interior.
Depois de mais de 20 anos, ao custo de renegar fundamentos de seu ideário,
conquistou o poder e ali permanece até hoje, de braços dados com as lideranças
políticas mais retrógradas que antes combatia. Hoje, o PT "ou muda ou
acaba", segundo anátema lançado por um de seus muitos militantes desiludidos,
a senadora Marta Suplicy.
Outro contundente depoimento sobre os
descaminhos do PT foi prestado por um de seus apoiadores de primeira hora, o
dominicano Frei Betto, que no primeiro mandato de Lula, em 2003, coordenou a
implantação do programa Fome Zero, logo substituído pelo Bolsa Família.
Substituição que, aliás, motivou o afastamento voluntário de Frei Betto do
governo, pelas razões que deixa claras na longa entrevista concedida à coluna
Direto da Fonte, de Sonia Racy, publicada no Estado de 30 de março. Afirma o religioso dominicano que
hoje se assiste ao "começo do fim" do PT.
Mas, provável e
compreensivelmente levado pela memória afetiva que o liga a líderes e à
história do PT e "apesar de todos os pesares", Frei Betto entende que
os 12 anos de governo do PT até agora "foram os melhores de nossa história
republicana". O que não o impede de botar o dedo na ferida, indo
diretamente à questão central que provoca sua desilusão com o partido de Lula:
"O PT trocou um projeto de Brasil por um projeto de poder". E isso se
reflete no fato de que não se concretizou até hoje "nenhuma reforma de
estrutura, nenhuma daquelas prometidas nos documentos originais do PT". E
cita: "Nem a (reforma) agrária, nem a tributária, nem a política. E aí
poderíamos acrescentar: nem a da educação, nem a urbana. Em suma, o que falta
ao governo - e desde 2003 - é planejamento estratégico". Em outras
palavras, um projeto de País.
Para Frei Betto, os governos do PT
facilitaram "o acesso dos brasileiros aos bens pessoais, mas não aos bens
sociais". E explica: "Se vamos em um barraco de favela, lá dentro tem
TV a cores, micro-ondas, máquina de lavar" e muitos outros bens de
consumo. "Porém, essa família continua no barraco, sem saneamento, em um
emprego precário, sem acesso à saúde, educação, transporte público e segurança
de qualidade. O governo facilitou o acesso dos brasileiros aos bens pessoais,
mas não aos bens sociais."
Essa colocação explicita o espírito
das "políticas sociais" dos governos petistas, sempre de caráter
pontual, feitas para atingir objetivos de curto prazo e, de preferência,
eleitorais. Foi o que ocorreu com a substituição do Fome Zero pelo Bolsa
Família. O primeiro, muito mais complexo e, consequentemente, preso a
possibilidades de ampliação mais lentas, não se limitava a proporcionar às
pessoas excluídas da vida econômica uma contribuição financeira mensal para a
sobrevivência, mas oferecia um conjunto de possibilidades e impunha obrigações,
de modo a criar condições para a inserção do beneficiado na atividade
produtiva. É o que Frei Betto chama de programa de "caráter
emancipatório". Ao contrário, o Bolsa Família, muito mais facilmente
implantável e ampliável, acaba tornando seus beneficiários dependentes
financeiros do poder público. Cria e alimenta, em português claro, verdadeiros
currais eleitorais.
Essa evidência se confirma com o
testemunho de outro desiludido com o PT, o jurista Hélio Bicudo, que relatou em
entrevista gravada a um programa de televisão o seguinte episódio: em 2003,
numa reunião de membros do governo sobre a implantação do Bolsa Família,
questionado sobre os objetivos e benefícios do programa, o então ministro José
Dirceu, chefe da Casa Civil, respondeu sem pestanejar: "Quarenta milhões
de votos". Dá para entender por que o PT acabou se transformando numa
farsa até para muitos antigos e fiéis militantes e apoiadores.