Partidarismo
de má qualidade
O ESTADO DE S.PAULO
05 Janeiro 2015
O presidencialismo de peculiar
coalizão consagrado pelo lulopetismo no poder, além de estar naturalmente
dificultando a divisão do butim, como se observou na montagem do Ministério do
segundo mandato de Dilma Rousseff, tem sido um grande estímulo à proliferação
dos partidos políticos no País. Das 32 legendas partidárias hoje existentes,
exatamente um quarto, 8, foi criado e obteve registro definitivo na Justiça
Eleitoral depois da chegada do PT ao poder, em 2003.
Metade desses novos partidos é de legendas
nanicas, muitas delas "de aluguel", criadas com o estímulo de uma
legislação generosa em termos de financiamento público dos partidos. Em 2014, a
dotação orçamentária do Fundo Partidário foi de mais de R$ 308 milhões. Ao
maior partido, segundo o critério de representação parlamentar, o PT, coube
mais de 16% desse dinheiro, distribuído em cotas mensais: R$ 50,3 milhões. Mas
essa distribuição contemplou também as quatro legendas que não conseguiram
eleger pelo menos um deputado federal em outubro: PSTU, PPL, PCO e PCB. As
quatro dividiram recursos de cerca de R$ 2,5 milhões, em cotas que variaram de
R$ 560 mil a R$ 804 mil. Nada mau para partidos sem votos.
Além dos 32 partidos oficializados, a
Justiça Eleitoral analisa o pedido de registro de mais 20 legendas, entre elas
a Rede Sustentabilidade da ex-senadora Marina Silva. Dessa lista fazem parte
preciosidades como o Partido da Construção Imperial, o Partido de Representação
da Vontade Popular, o Partido da Mulher Brasileira, o Partido dos Servidores
Públicos e dos Trabalhadores da Iniciativa Privada do Brasil, o Partido Popular
de Liberdade de Expressão Afro-Brasileira e o Partido Militar Brasileiro.
A proliferação de partidos não é um mal em
si. A tentativa de criação de uma legenda partidária é iniciativa legítima
garantida pelo direito de livre manifestação do pensamento. O condenável é a
manipulação desse direito, seja em benefício de interesses pessoais, como é o
caso dos "donos" de legendas de aluguel, seja na tentativa de criar
um quadro partidário mais facilmente cooptável pela ambição hegemônica dos
poderosos de turno. Foi assim que o lulopetismo controlou a máquina do Estado.
É para evitar que a proliferação de partidos
seja deturpada em benefício de interesses ilegítimos que nas democracias mais
avançadas o Estado estabelece regras, no geral conhecidas como cláusulas de
barreira, para disciplinar o âmbito de ação e, muito especialmente, o acesso ao
financiamento, público e privado, das atividades partidária e eleitoral.
Para ficar no exemplo da maior potência
democrática ocidental, nos Estados Unidos o número de partidos políticos é mais
que o dobro do que no Brasil.
Mas, pelo menos desde 1852, o bipartidarismo de
fato prevalece no âmbito federal, com democratas e republicanos se revezando no
poder. Mas há pelo menos mais quatro partidos - da Constituição, da Reforma,
Libertário e Verde - que eventualmente concorrem no nível federal e outros 70
que atuam em âmbito regional.
No âmbito federal, o financiamento público
nos EUA se limita à campanha presidencial, desde a fase das primárias, passando
pelas convenções, até a campanha eleitoral propriamente dita. Há restrições à
contribuição financeira de corporações, especialmente empreiteiras de obras
públicas e de organizações sindicais. E partidos menores podem se beneficiar de
fundos públicos na campanha presidencial, desde que isso se justifique por
desempenho anterior nas urnas. Só aconteceu duas vezes, com o Partido da
Reforma, em 1996 e 2000, em função do bom desempenho do candidato Ross Perot
nas eleições de 1992 e 1996.
É claro que o sistema partidário e eleitoral
dos EUA tende a beneficiar o bipartidarismo de fato, que está na raiz da
tradição política daquele país. E a sociedade norte-americana parece
perfeitamente satisfeita com esse sistema, embora permanentemente atenta à
necessidade de impor limites à influência do dinheiro nas eleições. O problema,
portanto, não é o número de partidos, mas a qualidade das normas legais que os
regulam. No Brasil, elas refletem o paternalismo e o patrimonialismo cultivados
em nome de projetos de poder.