Um mandato inédito
Elio Gaspari*
Os eleitores deram ao PT um mandato inédito na história nacional.
Um mesmo partido ficará no poder nacional por 16 anos sucessivos. A doutora
Dilma reelegeu-se num cenário de dificuldades econômicas e políticas igualmente
inéditas. Lula recebeu de Fernando Henrique Cardoso um país onde se
restabelecera o valor da moeda. Ela recebe dela mesma uma economia travada.
Tendo percebido o tamanho da encrenca, em setembro anunciou a substituição do
ministro Guido Mantega. Por quem, não disse. Para quê, muito menos. A
dificuldade política será maior. As petrorroubalheiras devolveram o PT ao
pesadelo do mensalão. Em 2005, o comissariado se blindou e, desde então,
fabrica teorias mistificadoras, como a do caixa dois, ou propostas
diversionistas como a da necessidade de uma reforma política. Pode-se precisar
de todas as reformas do mundo, mas o que resolve mesmo é a remessa dos ladrões
para a cadeia.
O
Supremo Tribunal Federal deu esse passo, formando a bancada da Papuda. Foi a
presença de Marcos Valério na prisão que levou o ‘‘amigo Paulinho’’ a preferir
a colaboração à omertà mafiosa.
Dilma
teve uma atitude dissonante em relação às condenações do mensalão. Protegeu-se
sob o manto do respeito constitucional às decisões do Judiciário. No debate da
TV Globo, quando Aécio Neves perguntou-lhe se achou ‘‘adequada’’ a pena imposta
ao comissário José Dirceu, tergiversou. Poderia ter seguido na mesma linha: decisão
da Justiça não deve ser discutida. Emitiu um péssimo sinal para quem sabe que
as petrorroubalheiras tomarão conta da agenda política por muito tempo.
Será
muito difícil, e sobretudo arriscado, tentar jogar o que vem por aí para baixo
do tapete. Ou a doutora parte para a faxina, cortando na carne, ou seu governo
vai se transformar num amestrador de pulgas, de crise em crise, de vazamento em
vazamento, até desembocar nas inevitáveis condenações.
O
comissariado acreditou na mágica e tolerou o contubérnio do PT com o PP
paranaense do deputado José Janene. A proteção dada aos mensaleiros amparou o
doutor e ele patrocinou a indicação do ‘‘amigo Paulinho’’ para uma diretoria da
Petrobras. Ligando-se ao operador Alberto Youssef, herdeiro dos contatos de
Janene depois que ele morreu, juntaram-se aos petropetistas e a grandes
empresas. O resultado está aí.
Em
2002, depois do debate da TV Globo, Lula foi para um restaurante do Rio e
comemorou seu desempenho tomando de uma garrafa de vinho Romanée Conti que
custava R$ 9.600. A conta ficou para Duda Mendonça, o marqueteiro da ocasião.
Quem achou a cena esquisita pareceu um elitista que não queria dar a um
ex-metalúrgico emergente o direito de tomar vinho caro. Duda confessou que
fazia suas mágicas com o ervanário do mensalão. Passaram-se 12 anos e os
repórteres Cleo Guimarães e Marco Grillo mostraram que, na semana passada, Lula
esteve no município de São Gonçalo, onde disse que ‘‘a elite brasileira não
queria que pobre estudasse’’.
Seguiu
da Baixada Fluminense para a Avenida Atlântica e hospedou-se no Copacabana
Palace, subindo para a suíte 601, de 300 metros quadrados, com direito a
mordomo. Outros sete apartamentos do hotel estavam reservados para sua
comitiva.
*Publicado no jornal O Globo (27/10/14)