Eleitoreiramente desfigurada
O ESTADO DE S.PAULO
17 Outubro 2014
Se
era ruim na versão original, a Medida Provisória (MP) n.º 651, preparada pelo
governo, acabou ficando muito pior no projeto de conversão aprovado pela
Câmara. Aos excessos da MP, o relator da matéria, deputado Newton Lima (PT-SP),
incorporou cerca de 50 emendas, deformando por completo o que na origem era um
conjunto desconexo. A MP tornou-se, assim, um monstrengo que trata de assuntos
tão diversos como benefícios fiscais para companhias aéreas, condições de renegociação
da dívida do BNDES com o Tesouro, permissão para a Casa da Moeda comercializar
moedas comemorativas e extensão do prazo para as cidades acabarem com os
lixões.
A
salada mista legal em que se transformou o projeto de conversão da MP não é,
porém, o único aspecto lamentável desse caso. Pior é o que está por trás da
edição da MP. Tudo, ou quase tudo, que há nela decorre da vontade do governo de
vencer as eleições a qualquer custo.
Com
a ampliação de benefícios tributários, o governo quis conquistar algum apoio no
meio empresarial, onde são fortes as críticas à administração Dilma Rousseff,
por causa da ineficácia de suas políticas na área econômica.
E,
para atender, tardiamente, a parte não atendida das reivindicações surgidas nas
manifestações de junho do ano passado, a MP reduziu para zero a alíquota do
PIS/Cofins incidente sobre o faturamento das empresas de ônibus que operam as
linhas consideradas semiurbanas (as tarifas de ônibus urbanos já tinham sido
desoneradas).
Algumas
medidas se referem à manutenção ou ampliação de vantagens criadas pelo Plano
Brasil Maior, criado em 2011 para combater os efeitos negativos da crise
internacional sobre a economia brasileira. O projeto eliminou o prazo de
vigência da desoneração da folha de pagamentos de diversos setores. A medida
foi estendida ao Reintegra, programa que permite a restituição a exportadores
de parte do tributos recolhidos ao longo da produção. Além disso, foi elevado,
de 3% para 5% do faturamento com a exportação de bens industrializados, o limite
de restituição.
Do
lado da política fiscal, o governo aceitou a incorporação, pelo relator, de
dispositivo que abre novo prazo para contribuintes em atraso aderirem ao Refis
- programa de refinanciamento de dívidas tributárias em condições favorecidas.
Com isso, espera contar com uma receita adicional para tentar melhorar os
números do superávit primário. Os maus resultados das contas públicas
acumulados ao longo do ano já deixaram claro que a meta fiscal não será
alcançada em 2014.
Além
de deformado, o projeto é contraditório, para dizer o mínimo. De um lado,
amplia benesses tributárias; de outro, busca assegurar receitas. Os ganhos,
porém, serão menores do que os custos totais do projeto aprovado pela Câmara.
A
lista dos setores beneficiados não deixa dúvidas quanto à intenção do governo
de alcançar um amplo espectro do empresariado do qual, pela incompetência da
política econômico, a gestão Dilma recebe muitas críticas. Companhias aéreas,
empresas de ônibus regionais, indústria farmacêutica, farmácias, empresas de
engenharia e arquitetura e filiais de empresas brasileiras no exterior somam-se
a contribuintes de outros 56 setores que já tinham recebido vantagens
tributárias - boa parte das quais, destaque-se, foi mantida, prorrogada ou
perenizada.
Para
não ter de punir, em ano eleitoral, as prefeituras que não concluíram a tempo a
construção de aterros sanitários que substituirão os lixões, o governo
concordou com a prorrogação do prazo para isso, que se encerrou em 2 agosto. O
novo prazo termina em 2018.
O
relator não especificou quanto tudo vai custar. Será necessário conferir se as
medidas estão de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A lei é
clara ao estabelecer que a concessão ou ampliação de incentivo tributário que
implique renúncia de receita deve sempre estar acompanhada da estimativa de seu
impacto sobre o Orçamento da União e das medidas de compensação do lado da
receita ou da demonstração de que elas não afetarão o cumprimento das metas
fiscais. Nada disso foi feito.