Editorial do
jornal O Estado de São Paulo (Estadão) publicado na edição desta quarta-feira,
dia 24 de setembro.
O autorretrato
de Dilma
O ESTADO DE
S.PAULO
24 Setembro 2014
Por ter chorado numa entrevista ao
dizer que fora "injustiçada" pelo ex-presidente Lula, a candidata
Marina Silva foi alvo de impiedosos comentários de sua rival Dilma Rousseff.
"Um presidente da República sofre pressão 24 horas por dia",
argumentou a petista. "Se a pessoa não quer ser pressionada, não quer ser
criticada, não quer que falem dela, não dá para ser presidente da
República." E, como se ainda pudesse haver dúvida sobre a sua opinião,
soltou a bordoada final: "A gente tem que aguentar a barra". Passados
apenas oito dias dessa suposta lição de moral destinada a marcar a adversária
perante o eleitorado como incapaz de segurar o rojão do governo do País, Dilma
acabou provando do próprio veneno.
Habituada, da cadeira presidencial, a
falar o que quiser, quando quiser e para quem quiser - e a cortar rudemente a
palavra do infeliz do assessor que tenha cometido a temeridade de contrariá-la
-, a autoritária candidata à reeleição foi incapaz de aguentar a barra de uma
entrevista de meia hora a três jornalistas da Rede Globo, no "Bom dia,
Brasil". A sabatina foi gravada domingo no Palácio da Alvorada e levada ao
ar, na íntegra, na edição da manhã seguinte do noticioso. Os entrevistadores
capricharam na contundência das perguntas e na frequência com que aparteavam as
respostas. Se foram, ou não, além do chamamento jornalístico do dever, cabe aos
telespectadores julgar.
Já a conduta da presidente sob
estresse, em um foro público, por não ditar as regras do jogo nem, portanto,
dar as cartas como de costume entre as quatro paredes de seu gabinete, é
matéria de interesse legítimo da sociedade. Fornece elementos novos, a menos de
duas semanas das eleições, sobre o que poderiam representar para o Brasil mais
quatro anos da "gerentona" quando desprovida do conforto dos efeitos
especiais que lustram a sua figura no horário de propaganda e, eventualmente,
do temor servil que infundiu aos seus no desastroso primeiro mandato. Isso
porque os reverentes de hoje sabem que não haverá Dilma 3.0 em 2018 nem ela
será alguém na ordem das coisas a partir de então.
A presidente, que tão fielmente se
autorretratou no Bom Dia, Brasil é, em essência, assim: não podendo destratar
os interlocutores, maltrata os fatos; contestadas as suas versões com dados
objetivos e ao alcance de todos quantos por eles se interessem, se faz de
vítima como a Marina Silva a quem, por isso, desdenhou. Cobrada por não
responder a uma pergunta, retruca estar "fazendo a premissa para chegar na
conclusão (sic)", ensejando a réplica de ficar na premissa "muito tempo".
É da natureza dessas situações com hora marcada que o entrevistado procure
alongar-se nas respostas para reduzir a chance de ser atingido por novas
perguntas embaraçosas. Some-se a isso o apreço da presidente pelo som da
própria voz - e já estaria armado o cenário de confronto entre quem quer saber
e quem quer esconder.
Mas o que ateou fogo ao embate foram
menos as falsidades assacadas por Dilma do que a compulsiva insistência da
candidata, já à beira de um ataque de nervos, em apresentá-las como cristalinas
verdades. Quando repete que não tinha a mais remota ideia da corrupção em
escala industrial na diretoria de abastecimento da Petrobrás ocupada por Paulo
Roberto Costa de 2004 (quando ela chefiava o Conselho de Administração da
estatal) a 2012 (quando ocupava havia mais de um ano o Planalto), não há, por
ora, como desmascarar a incrível alegação. Mas quando ela afirma e reafirma -
no mais desmoralizante de seus vexames - que a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (Pnad) não mede desemprego, mas taxa de ocupação, e não poderia,
portanto, ter apurado que 13,7% dos brasileiros de 18 a 24 anos estão sem
trabalho, é o fim da linha.
Depois da entrevista, o programa fez
questão de convalidar os números da jornalista que a contestava. De duas, uma,
afinal: ou Dilma, a economista e detalhista, desconhece o que o IBGE pesquisa
numa área de gritante interesse para o governo - o que simplesmente não é
crível - ou quis jogar areia na verdade, atolando de vez no fiasco. De todo
modo, é de dizer dela o que ela disse de Marina: assim "não dá para ser
presidente da República".