André Machado*
Você pode até achar que muitas coisas no mundo ocorrem ao
acaso, mas certamente nem todas são assim. Acordei pela manhã e li um post da
Gabi Chanas no twitter sobre a importância de olhar para trás e ter orgulho do
que se faz e consciência de que se aproveitou as oportunidades que a vida lhe
oferece. Saí, tive uma reunião e chego em casa preocupado com os desafios que
tenho pela frente.
Abro o Facebook e a primeira postagem que aparece é do Luiz
Arthur Ferrareto sobre o Vozes da Cidade, um programa que consagrou no rádio
gaúcho o nome de Dilamar Machado. E junto uma foto do meu pai nos estúdios da
Rádio Gaúcha (a foto compartilho abaixo, o texto está no link abaixo).
Certamente alguém está me dando muita força para ir adiante.
Gostaria de compartilhar isto com vocês. Certo ou errado é o que meu coração
manda.
*Jornalista
Dilamar Machado e
os 40 anos do Vozes da Cidade - 2007
Luiz Artur Ferraretto*
Fonte: Nomes que fizeram a imprensa gaúcha. Porto Alegre: Press & Advertising, n. 2, p. 31-2, set.
2003.
Na Gaúcha, em
Porto Alegre, há umas quatro décadas, um programa vai explorar o caráter
assistencial, dando espaço para as reclamações da população em uma época de
extremo controle sobre tudo o que possa ser considerado uma crítica ao poder
constituído, neste caso, os militares e aos interesses por eles representados
dentro do governo ditatorial imposto ao país em 1964. Primeiro grande sucesso
do gênero no rádio do Rio Grande do Sul, o programa Vozes da Cidade coloca o ouvinte e seus problemas
no ar. Lançado em 1967 e apresentado por Cândido Norberto, explora, de início,
a tecnologia disponível para levar ao público gravações de ruídos e de
depoimentos pinçados do cotidiano porto-alegrense – do dia a dia do vendedor
ambulante ao dos motoristas de táxi –, tudo “costurado” pela palavra fácil
característica do apresentador. Já com Dilamar Machado no comando, abre espaço,
das 13h15 às 14h, para as queixas da população de baixa renda e se torna um
fenômeno de audiência:
– Comecei com os
problemas comunitários. Eu me lembro que durante uma semana critiquei o
prefeito Célio Marques Fernandes, porque a Vila Santa Rosa não tinha saneamento
básico, água potável e pavimentação. Até que o prefeito não aguentou e foi no
meu programa dizer que já havia providenciado água para a vila. Aquilo me
mostrou a força que o rádio tinha. Esse fato popularizou muito o programa.
O repórter
Benami Salts, antes escalado para a gravação dos sons das ruas de Porto Alegre,
passa a percorrer a cidade, registrando as queixas e os problemas da população.
Ao prédio da Rádio e TV Gaúcha, no morro Santa Teresa, acorrem de 200 a 300
pessoas em média, lotando, muitas vezes, o pátio da empresa. Motoristas de táxi
participam, buscando, como voluntários, donativos nas residências de classe
média e alta em bairros como Bela Vista, Moinhos de Vento e Petrópolis, a
indicar uma abrangência bem maior deste tipo de programa.
A popularidade
de Dilamar Machado vai se refletir nas eleições para a Câmara Municipal de
Porto Alegre, realizadas em 1968, quando, concorrendo pelo oposicionista
Movimento Democrático Brasileiro, o apresentador do Vozes da Cidade recebe o apoio de 13 mil
eleitores, representando 5% do total de votos considerados válidos na capital
gaúcha. No ano seguinte, já com o país sob a tutela do Ato Institucional n. 5,
o vereador usa a tribuna para denunciar o chamado Caso das Mãos Amarradas, o
assassinato por forças da repressão política do sargento Manoel Raimundo
Soares. Preso em 11 de março de 1966, o militar ligado ao Movimento Revolucionário
26 de Março, organização de esquerda, fica sob a guarda da Polícia do Exército
e do Departamento de Ordem Política e Social. Cinco meses depois, o corpo do
sargento, com sinais de tortura, é encontrado boiando no rio Jacuí, com as mãos
e os pés atados às costas. Uma audácia em tempos de ditadura militar, o
discurso de Dilamar vai levar, na sequência, à cassação dos seus direitos
políticos. Na época, já havia se transferido para a Difusora Porto-alegrense.
Sem poder utilizar a denominação Vozes da Cidade, de
propriedade da Gaúcha, apresenta, no mesmo estilo, o Programa Dilamar Machado. Cada vez que um ouvinte ia
entrar no ar, o apresentador aproveitava, no entanto, para fazer uma
referência:
– Mais uma voz
da cidade que vai falar conosco...
A cassação de
Dilamar vai lhe custar o emprego. Em tempos de ditadura, para os donos do
poder, era mais interessante calar as vozes da cidade.
*Jornalista