A terceirização que pode humanizar
Adeli Sell*
Sempre que me refiro aos profissionais de uma
área que não a minha tenho cuidados redobrados. Por isso li com atenção o que
escreveram as Juízas Andreia Nocchi e Valdete Souto Severo na imprensa local.
Li, com igual zelo, o artigo do Juiz Rafael da Silva Marques.
Apesar de ter sido vereador de Porto Alegre
por 16 anos e ser de minha autoria importantes legislações sobre a cidade, não
tenho formação acadêmica no Direito. Mas, como cidadão, me obrigo a discutir
com os doutos juízes, já que sempre militei no mundo do trabalho pela dignidade
profissional.
A doutora Valdete fala que a terceirização, se
não escraviza, destrói. Mesma linha da doutora Andreia, para quem a
terceirização escraviza. Já escrevi doutra feita que a terceirização pode não
escravizar, e quando o faz, realiza tal ato ao arrepio da Lei.
Digo, agora, que a terceirização pode não
escravizar e não destruir. Não é o modo de contratação que define a exploração,
a servidão, a escravidão ou a destruição da saúde dos trabalhadores. Quem
assistiu ao documentário Carne e Osso, produzido em 2011, sobre a cruel,
indigna e famigerada rotina de quem trabalha em frigoríficos no Brasil haverá
de me apoiar. Ali os contratos destes trabalhadores são diretos com a
corporação. As vagas terceirizadas são restritas às da segurança e limpeza,
pois se configuram como atividades-meio. Comparados, estes estão no paraíso,
enquanto os outros vivem no inferno.
É claro que temos exceções num e noutro caso.
Quando falamos de trabalho, não podemos
esquecer que vivemos em um país continental, de segmentos tão múltiplos como,
por exemplo, centros de tecnologia de um lado, como extração de carvão, de
outro. Tratando-se de estatísticas, também será pouco esclarecedor eleger um
Estado que concentre mão-de-obra em atividades mais perigosas que outras.
Se analisarmos o trabalho em frigoríficos,
metalúrgicas e minas, vamos ver - nem precisa pesquisar - que temos mais
trabalhadores adoecidos e escravizados. Imaginem os movimentos inclementes e o
rodopio das mãos de quem manipula a carne diariamente, tendo que desossar uma
perna de frango em 8 segundos? Ou o pulmão de um mineiro, exposto a substâncias
de origem mineral ou contaminação com metais pesados? Acho que nem precisamos
falar.
É claro que nem todos os estabelecimentos
nestas três áreas são iguais. Tem gente mais bem tratada e cuidada nalguns.
Sobre os ganhos, bem os ganhos são relativos ao tipo de trabalho. Será que o
porteiro do seu edifício contratado pelo condomínio ganha mais do que aquele do
Centro Administrativo que é terceirizado?
Pelo que li e ouvi sobre o debate no
Congresso, alguns segmentos querem mudar esta concepção exposta, mas também há
muitos trabalhadores e empresários que defendem a atual legislação. Apenas
querem mais clareza sobre o que pode ou o que não pode. Ninguém quer ser
julgado pela filosofia ou pela ideologia, mas pela Lei.
Sou um defensor dos
trabalhadores. Luto por um mundo do trabalho regrado, que beneficie quem faz a
roda da economia girar. Está na Lei, está na Vida. Temos que combater todas as
formas de exploração e aviltamento de trabalho, não importando a forma de
contratação. Este é um falso debate, pois não se sustenta na prática, na vida
real.
*Adeli Sell e consultor e escritor