Novo logro
fiscal
Jornal Estado de São Paulo - 13.10.2013
O pedido de demissão apresentado pelo
subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Caio Marcos Cândido, no mesmo
dia em que seus colegas tentavam explicar o bilionário programa de renegociação
de dívidas tributárias sancionado pela presidente Dilma Rousseff, retrata a
indignação dos contribuintes em dia com suas obrigações diante dos sucessivos
esquemas que beneficiam contumazes devedores do Fisco ou que estão em litígio
com ele.
Esse programa, além das
características nocivas de todos os que o antecederam, tem também a de ser uma
artimanha fiscal para ajudar o governo a alcançar o superávit primário de 2,3%
do PIB, que, em respeito aos contribuintes, deveria ser alcançado por meio da
gestão responsável dos recursos públicos.
Como continua a aumentar seus gastos
em ritmo maior do que o crescimento normal da arrecadação tributária, o governo
do PT vem recorrendo a diferentes tramoias para atingir o superávit primário
necessário ao pagamento de suas obrigações financeiras. Ora retira do cômputo
das despesas certos tipos de gastos, ora antecipa o pagamento, pelas estatais,
de dividendos relativos a exercícios futuros.
Desta vez, ignorando as seguidas
recomendações técnicas da Receita Federal, o governo adotou um programa de
renegociação de dívidas tributárias muito mais amplo que os anteriores. O novo
programa reabre o prazo para a adesão ao Refis da Crise, que permite a
negociação de dívidas vencidas até 20 de novembro de 2008, e institui um
bilionário plano de parcelamento de tributos cuja cobrança contribuintes
estavam contestando na Justiça e outro que permite a negociação do Imposto de
Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido sobre lucros obtidos no
exterior.
O prazo máximo para o parcelamento
varia de 10 a 15 anos, conforme o plano. Os devedores que pagarem à vista terão
benefícios extras, como redução ou até anistia completa da multa, e diminuição
do juros.
Trata-se de um benefício por atacado,
de um "Refisão". A Receita estima em R$ 680 bilhões o total de
tributos que podem ser negociados pelos contribuintes nas condições oferecidas
pelo governo. Nem tudo, porém, será recuperado, pois grande parte do débito
está sendo questionada na Justiça. Para aderir ao programa de parcelamento, o
contribuinte tem de desistir da ação na Justiça.
Os resultados em termos de
arrecadação dependerão do grau de adesão ao programa e da forma como o
pagamento será feito. Mas a expectativa do Ministério da Fazenda é de que os
contribuintes que aderirem - a lista inclui grandes bancos e empresas que atuam
em outros países - recolham já em 2013 entre R$ 7 bilhões e R$ 12 bilhões. É
dinheiro extra que, além de ajudar na obtenção do superávit primário, cria
margem para o aumento de gastos em ano que antecede a eleição presidencial.
A Receita sempre contestou, com
argumentos sólidos, programas desse tipo. O subsecretário de Arrecadação e
Atendimento da Receita, Carlos Roberto Occaso, um dos funcionários escalados
para explicar a medida, não hesitou em afirmar que os parcelamentos especiais
concedidos aos contribuintes devedores são ineficazes para reduzir esses
débitos, beneficiam grandes devedores, geram concorrência desleal com o
contribuinte que recolhe os tributos em dia e, ao criarem a expectativa de que
em algum momento haverá alguma forma de anistia fiscal, estimulam o não
pagamento. No dia seguinte, a direção da Receita tentou dar o dito por não
dito.
Por isso, ao apresentar os detalhes
dos três planos de parcelamento, Occaso disse diversas vezes que a decisão
"não passou" pela Receita Federal. "É importante frisar que foi
iniciativa do Congresso e contou com o apoio do Executivo", ressaltou. O
ministro da Fazenda, Guido Mantega, negociou pessoalmente o mais importante
esquema de parcelamento, que se refere à tributação do lucro auferido no
exterior por empresas coligadas ou controladas.
Em mensagem que postou no correio
interno da Receita, o ex-subsecretário de Fiscalização afirmou que há tempos
estava "incomodado com a influência externa" em decisões do órgão
arrecadador nas quais, a seu ver, prevaleceram "posições menos técnicas e
divorciadas do melhor interesse".