A penitenciária ao ar livre com liberdade total
Cesar Cabral*
Vulpino Argento o Demente, 4º suplente de senador e que nas
horas vagas - são 24 h. vagas por dia – me serve como assessor de pesquisas e
de outras buscas descobriu que um bandido drogado assalta pessoas de qualquer
idade há 12 anos; é conhecido como Bruxo. Entre os grandes assaltos que ele
considera o mais “genial” foi há um médico cardiologista em seu próprio
consultório em Fortaleza. O cardiologista quase morre do coração. Em Maceió um
motorista de ônibus foi assaltado mais de 15 vezes. Vúlpi, que é como eu o
trato carinhosamente, já que ele é demente, descobriu milhares de crimes de
todos os tipos ocorridos em apenas um mês, assistindo programas nas TVs, que se
dizem “em defesa da cidadania” entrevistando bandidos. Em um desses, o
inteligentíssimo reporte com cara de barbaridade pergunta ao bandido que havia
assassinado uma velhinha com 5 facadas: “e você não está arrependido”? “Não”!
disse o bandido.
Entre os crimes mais comuns estão as “saidinhas” bancárias,
um tipo de roubo que a vítima é sempre um idiota que saca R$ 20 mil reais num
caixa eletrônico; e há também os assassinatos de viciados em cocaína e craque
que não pagam a conta ao traficante fornecedor; assaltos a bancos com
explosivos cuja venda e o uso é controlado “rigorosamente” pelo Exercito Brasileiro, detonando caixas
eletrônicas. Há também os “arrastões” – em geral feitos com apenas com um ou
dois arrastadores - em ônibus, bares, restaurantes, nas ruas, em lojas, em
carros parados nos sinais de transito e centenas de outras modalidades
criminosas. É assim Brasil adentro. Porém o que deixou Vúlpi mais indignado foi
o assalto a duas mulheres que saiam de um supermercado com sacolas das compras
que haviam feito, sobre tudo comida, serem embretadas contra um muro por
bandidos a cavalo. Ladrões assaltando a cavalo, ainda que amatungados, em pleno
século XXI tornou-se notícia nacional.
- “Coisa de bandoleiro de outro Estado, Divino Mestre (eu
detesto quando ele me trata assim) em nosso Ceará não tem mais disso não! Isso
é coisa do tempo de Lampião e de Corisco, - disse com a voz bem sotaqueada. O
que é que os sudestinos e os sulistas vão pensar de nóis? - agora bem irritado. Concordei, mesmo sendo
eu um sulista.
- Prestenção, Divino Mestre (outra vez!), enquanto isso
acontece o Comandante da PM aconselha: “
não ande com muito dinheiro,as mulé deve portá a borsa na barriga do corpo e
bem agarrada,não reaja ao assalto, o bandido não tem nada a perdê,não óie nos
óio do bandido, ele vai entendê que tu
tá defiando ele,não faça gesto brusco, ele pode entendê que você vai sacá uma arma,
não ande por ruas sem luis, não sai de noite de casa.” Entendeu Divino Mestre?
- Mais ou menos, respondi gaguejando.
- Bóra lá então, é o seguinte: o coroné tá dizeno que nóis
somo os curpado. Temo que respeitá os bandido. O que é que um coroné tem dentro
da cabeça meu Divino mestre? - (argh!) – pra dizê uma coisa dessa? Eita coroné
abestado, sô!
Vulpino Argento o Demente, já demonstrava certo descontrole.
Disse eu então que isso tudo é lamentável – usei essa palavra mais branda pra
não dizer que o tal coronel é na verdade um imbecil – e que essas coisas
estavam acontecendo em todo o país.
- Divino Mestre, - disse Vúlpi já menos aperreado - um deputado do DEM do Tocantins vai propor
uma lei que obriga apresentá a certidão de casamento nas recepição dos Moté pra
quem vai lá coisá.
- Interessante! - balbuciei sem pensar na bobagem que estavam
dizendo.
- Não Mestre, pense: solteiro, viúvo, divorciado não vai pudê
coisá. E também não esprica se pode entrá no Moté com a certidão dos dois ou de
cada um. Qué dizê só vai coisá casado de uma com a casada de um outro. Isso vai
virá um fudevú! Apois então tive uma ideia, Quando for nomeado senador – ele é
quarto suplente, o demente - vou fazê
uma lei pra bandido. É o seguinte: e a Lei da Prisão Perpéta com liberdade.
- Que lei é essa, Vúlpi?
- Inda vô fazêêê!! É o seguinte: todo o bandido condenado há
mais de 5 anos de prisão vai direto pra Ilha
Trindade. Ela fica miles e miles de quilômetro do Esprito Santo.
- Como?
- É aquele Estado do sul, não da pomba branca, fica bem no
meio do oceano Atlanti. De lá não tem como sai pois tá cercada de piranha e a
Marinha do Brasí vai botá duas Fragata de vigia. Quem tentá fugí leva bala!Mas
antes disso vai levá prá lá madeira, prego, tijolo, cimento, telha, semente de pranta
pra prantá, umas caixa de remédio,
inchada, foice, gadanho,martelo,machado e só. Feito isso começa a mandá pra lá
tudo que é bandido das prisão do Brasí. Tudo que é bandido condenado há mais de
5 anos é levado pra lá. Assim que vão chegando vão se organizando e construindo
as casas, prantando as pranta pra comida, fazendo amizade, organizando
quadrilha pra se matá uns aos outros. Tudo a vontade deles e de lá ninguém mais
sai; nem morto pois vai tê até cementério. Com essa lei, de minha autoria, todo
bandido fica sabendo: foi condenado vai pra Trindade, sem dó nem piedade. Os
condenado há cindo anos e menos vão sê solto quando cumpri a pena, mas se for
pegado fazendo crime vai pra Trindade. Acabou a bandidage, Divino Mestre. Até
bandido burro vai pensá duas veiz antes de fazê um crime. E as cadeia vão virá
Porto de Saúde e Hospitá. Não vai fartá lugá pros dotô que tão chegando do
estrangero trabaiá, né não?
- E quando vai ser isso Vúlpi? A ideia é muito boa, inédita,
barata e assustadora, para os bandidos é claro.
_ Vai sê quando eu fô Senadô; por enquanto sô suprente, mas
do jeito que a turma troca de partido e larga o mandado pra assumi coisa mió,
minha vêis tá pertim, pertim.
- A ideia é muito boa mesmo. – lembrei-me de Thomas More,
ouvindo as extraordinárias histórias que Américo Vespúcio contava para ele
sobre a ilha de Fernando de Noronha, lá pelo ano de 1503. Fascinado com as
narrativas resolveu escrever um livro chatíssimo, A Utopia, “um lugar novo e puro onde
existiria uma sociedade perfeita”. A Utopia de Vúlpi é bem ao contrário. Só que
pra isso a dialética utópica do ainda 4º suplente de Senador teria que alterar
a Constituição com uma PEC.
- PEC? Diabéisso?
- Essa tua ideia tem que ser discutida na Câmara e no Senado,
em dois turnos. Se o Senado mudar uma vírgula, volta pra Câmara e depois de
muita discussão e aprovação vai para o presidente da República que pode vetar
artigos e acrescentar outros. E aí volta tudo para discussão. Isso se a lei for
aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, na de Assuntos
Econômicos, de Assuntos Sociais, Meio Ambiente, Direitos Humanos, de Serviços
de Infraestrutura, Agricultura e Reforma Agrária; E isso pode levar anos;
talvez séculos.
- Arriégua, macho! Mais se tudo dé certo?
- Aí tem que fazer licitação para comprar esse material todo
pra deixar na ilha; o que pode levar mais um século. E tem que ter autorização
da Marinha de Guerra, da Secretaria do Meio Ambiente de Vitória, da Secretaria
Estadual dos Direitos Humanos, do Ministério Público, das ONGS ambientalistas,
de parte da Imprensa, das Igrejas, principalmente as neopentecostais e
finalmente, dos Presidentes da Câmara e do Senado que põe projetos de lei pra
discussão no plenário na ordem do dia, no dia que lhes der na cabeça.
- Mais quanto poblema meu Padim Ciço! Mais o salário é bem
bãozim, né não Divino Mestre?
- É! – respondi com toda convicção.
*Cesar Cabral, jornalista e escritor.