Estamos emporcalhando nossa cidade
Adeli Sell*
A palavra
"emporcalhar" vai gerar protestos, eu sei. Mas é isto que estamos
fazendo com nossa capital. Quem se criou no campo, tratando porcos, sabe do que
eu falo. Querem algo mais nojento do que chorume regando o asfalto, lambuzando
nossos calçados com os quais entramos em nossas casas?
Querem algo mais asqueroso do
que aquela montoeira de lixo espalhada ao lado dos contêineres? Caminhem pelo
Centro Histórico. Na Riachuelo com a Marechal Floriano é impossível passar sem
tapar o nariz, desviar o caminho e caminhar pelo meio da rua, porque toda a
esquina está tomada de lixo. E não é só ali.
Milhares e milhares de
porto-alegrenses absorvem diariamente pelas narinas o cheiro podre que exala
dos contêineres implantados na nossa cidade. Em qualquer lugar moderno e
civilizado tem contêineres para o lixo orgânico e outro para o lixo reciclável.
Em Porto Alegre, não é assim.
Acreditava que esse cenário
pudesse mudar com o anúncio de nova licitação proposta pela prefeitura,
prevendo dobrar a quantidade de contêineres na cidade, passando dos atuais 1,2
mil, para 2,4 mil equipamentos. Será mantida, entretanto, a coleta única e
exclusiva de resíduos orgânicos nestas unidades, o que todos sabem só ocorre na
teoria.
Não é preciso ir longe para
conhecer outra realidade bem diferente. Caxias do Sul, na serra gaúcha, dispõe
de conteinerização diferenciada. Um para os resíduos orgânicos e outro para os
recicláveis. E lá existe a lavagem dos contêineres de três em três dias. Por
que não incorporar o que próximas fazem melhor do que nós?
Os mais velhos devem recordar
com saudades dos anos 90, quando implantamos a coleta seletiva em Porto Alegre,
beneficiando primeiramente o bairro Bom Fim. O programa foi progressivamente
ampliado até agosto de 1996, quando todos os bairros passaram a ser atendidos.
E como está agora?
Nem é preciso falar, porque
todos veem que é uma zorra total. Faça-se justiça que o novo Diretor começou
sua gestão fazendo algumas incursões corretas para debelar focos de lixo pela
cidade. Mas parece que nosso diretor está perdendo a batalha para o
"emporcalhamento" da cidade, pelas razões que coloquei, somados aos
erros administrativos e técnicos e por esta cultura de condescendência com os
carrinheiros e carroceiros.
Também não dá para desdenhar o
comportamento da população que teima em jogar lixo na rua. Por onde quer que se
ande, montoeiras de latinha e papel, sem falar nas bitucas de cigarro que estão
por todos os lados. Sem esquecer os chicletes que teimam em grudar nos nossos
sapatos. Tudo o que é inservível é descartado ali mesmo, sem se importar
com a cidade, a limpeza, a estética, a saúde. Sim, saúde, porque isto não pode
fazer bem a ninguém.
Pode parecer fruto de uma mente
conservadora, mas o cuidado com a cidade exige uma disputa de espaço em que
necessariamente deve ganhar o interesse da maioria: limpeza, iluminação,
manutenção e acessibilidade. Mesmo a mais culta das criaturas poderá sucumbir
ao meio e se permitir um papelzinho no chão quando num cenário de depredação.
De que importa? É só uma bituca. Ou, infelizmente, eu não trouxe o saquinho. De
maior ou menor gravidade, os crimes são cometidos diariamente, e isto só tem
contribuído para uma concepção coletiva de impunidade e irrelevância com aquilo
que é coletivo.
Sujeira gera sujeira,
depredação gera mais depredação. O lixo largado nas ruas vai parar nos esgotos
pluviais, gerando inundações a cada chuvarada. Como ensinar uma criança a não
jogar lixo no chão, se o seu entorno está coberto de lixo alheio, tolerado e
quase institucionalizado? O vandalismo e a sujeira são parceiros inseparáveis,
bem como a percepção de insegurança da comunidade.
Cestos destruídos, lixo
espalhados, monumentos roubados, cocô de cachorro nas calçadas, o encanto da
cidade se perde, junto com o humor de quem não consegue andar sem sobressaltos
pelas ruas. Mas Porto Alegre pode melhorar. Depende só de nós.
*Escritor e consultor