"Estamos
medicando idosos de maneira errada"
Figura controversa nos Estados
Unidos, Armon Neel Jr. faz um alerta, no livro 'Are your prescriptions killing
you?', para os perigos da supermedicação em idosos
Há um risco adicional no coquetel de remédios que os
idosos, muitas vezes, precisam tomar. Geralmente em número elevado, as drogas
podem interagir de maneira perigosa entre si e provocar resultados inesperados
e nocivos. Uma pessoa que ingere 10 remédios diferentes tem 44 interações
medicamentosas (quando os remédios, combinados, anulam a ação um do outro ou
produzem efeitos colaterais inesperados), que precisam ser analisadas. No caso
de 15 remédios, essas interações sobem para 104, diz o farmacêutico americano
Armon Neel Jr., ele próprio um senhor de 74 anos. Neel é autor do livro Are
your prescriptions killing you? (Suas prescrições estão te matando?), sem
lançamento previsto no Brasil.
Com 40 anos de carreira, Neel é um ferrenho crítico da
maneira como a medicina vem tratando pessoas acima dos 50 anos. Segundo ele, a
maioria dos médicos prescreve drogas que causam mais prejuízos do que
benefícios aos idosos. E isso aconteceria por dois motivos. O primeiro é a
formação médica. "Eles não têm aulas aprofundadas sobre a química dos
medicamentos e como eles interagem com o organismo", diz. A segunda é
fruto de uma falha científica: existem poucos testes clínicos em voluntários
acima dos 60 anos. Assim, a medicina precisa lidar com uma literatura falha sobre
a ação dos medicamentos nessa faixa etária.
Neel não defende terapias alternativas ou que os
idosos abandonem tratamentos com medicamentos. Em entrevista ao site de VEJA,
ele reconhece a importância dos medicamentos, mas diz que remédios consagrados,
como a estatina, podem ser letais a idosos. E defende a tese de que o
farmacêutico deveria ser o profissional responsável pela medicação. "A
maioria dos idosos está, infelizmente, tomando remédios que não deveria."
Estamos medicando os idosos de maneira errada? A
formulação química das drogas está muito mais sofisticada do que há algumas
décadas. Isso, mesclado ao fato de que os médicos não compreendem claramente as
mudanças químicas que acontecem no organismo das pessoas acima dos 50 anos,
pode ser muito perigoso. Depois dos 30 anos, perdemos anualmente 1% das funções
renais e do fígado. Aos 80 anos, um idoso tem 50% das funções desses dois
órgãos. Os médicos não conseguem entender, por exemplo, que um remédio
conhecido, famoso ou eficaz, que era benéfico à saúde daquele paciente aos 30
ou 40 anos, pode se tornar um perigo aos 60 anos. E isso acontece porque o
corpo dele não metaboliza mais a droga da mesma maneira.
Por que alguns medicamentos se tornam perigosos para
os idosos? Vamos pegar como exemplo o ansiolítico benzodiazepina. Esse
medicamento começa a ser usado por volta dos 25 anos de idade, para dormir.
Imagine, agora, o mesmo paciente aos 70 anos. As enzimas do fígado de uma
pessoa de 25 anos metabolizam a droga de uma maneira específica. Aos 70 anos,
porém, essas enzimas já não estão presentes na mesma quantidade. A droga não
vai ser metabolizada corretamente, e acaba se depositando em demasia no
organismo. E aí começam os efeitos colaterais. O paciente cochila enquanto está
dirigindo ou sente tontura, cai e quebra um braço. A benzodiazepina funciona
bem em pessoas jovens, mas não em idosos.
Qual a droga mais prescrita erroneamente para idosos?
Provavelmente, as estatinas e os osteófitos, drogas usadas para fortalecimento
ósseo. Em muitos casos, esses dois medicamentos podem ser letais para o idoso.Um
dos efeitos adversos da estatina está relacionado com os músculos. A fraqueza e
as dores musculares podem ser um dos sintomas da rabdomiólise induzida pela
estatina. Essa condição se caracteriza pela perda do esqueleto muscular, o que
leva as fibras a serem liberadas pela corrente sanguínea. Essas fibras são
danosas aos rins. Quanto maior a dosagem de estatina, maiores os riscos de
rabdomiólise.
Existe uma quantidade de remédios que um idoso pode
tomar de maneira segura? Apenas uma droga já pode ser inapropriada. E o número
de riscos em potencial aumenta exponencialmente cada vez que você adiciona um
novo medicamento. Vejo pacientes que estão tomando três drogas e uma delas é a
causa da necessidade das outras duas. Então, quando você retira essa primeira
medicação, acaba a necessidade das demais. Costumo dizer que, se você está
tomando mais do que cinco remédios, o sexto está sendo usado para tratar algo
causado pelo outros cinco. Mas isso não é necessariamente uma regra.
Há alguma relação entre medicação errada e o aumento
nas quedas? Sim. Veja o caso de homens idosos com problemas na próstata, como
hiperplasia da próstata. Um dos remédios usados é o chamado bloqueador alfa,
uma droga para pressão sanguínea. Essa droga funciona dilatando as veias da
próstata, o que melhora a urinação. Só que ela não age apenas na próstata, mas
em todo o corpo. Então agora você tem veias grandes que o sangue precisa
atravessar em todo o organismo. Isso pode levar à queda de pressão. Se o
paciente faz movimentos abruptos, o sangue sai do cérebro e ele tem blackouts,
fica zonzo. Esses episódios de hipotensão podem deixar o idoso com tonturas, e
aumentar a incidência das quedas.
Os erros nas prescrições são fruto de má formação ou
de falta de conhecimento generalizado? Não há muito treinamento em terapia com
medicamentos na faculdade. Não se ensina a química dessas drogas e de que
maneira ela se relaciona com a química do paciente. Os estudantes de medicina
ficam mais tempo estudando doenças, diagnósticos e tratamentos. Muito do que
eles aprendem sobre a droga em si é ensinado pelos representantes das
indústrias farmacêuticas, que, normalmente, não são da área da saúde. O que
eles apresentam ao médico é a versão boa do medicamento, nada de ruim sobre a
droga vai sair deles. E também há pouca pesquisa feita com pessoas acima dos 65
anos, então não existe muito material de base. Por isso, conhecer a química de
cada medicamento e como ele reage no organismo é tão importante.
O médico, então, não seria a pessoa mais indicada para
medicar um paciente? Acredito que mais de uma pessoa pode fazer isso. A
tecnologia mudou tanto nos últimos 40 anos, que é a hora dos médicos
redistribuírem algumas funções. O farmacêutico deveria ser o responsável pelo
gerenciamento da terapia com medicamentos. O médico faz o que ele é treinado
para fazer: diagnostica e delimita o plano de tratamento. Mas o farmacêutico,
pessoa mais treinada para essa função específica, deveria ficar a cargo dos
medicamentos.
Como um paciente idoso pode saber se há algo errado
com suas prescrições? Vamos dizer que ele vá ao médico porque tem algum
problema, e o médico prescreva uma droga. Essa droga acaba não resolvendo o
problema. O médico pode aumentar a dose ou acrescentar um novo remédio. Se isso
acontecer, o melhor seria remover o primeiro medicamento — e não apenas
acrescentar outros. Agora, se você está indo ao médico e está tomando duas ou
três medicações, e aí uma nova droga causa sensações que não são naturais a
você, volte ao médico ou ao farmacêutico e diga que esses novos sintomas estão
sendo causados pela nova medicação.(VEJA online)