Criação
coletiva
Dora Kramer
Não, o ex-presidente
Lula não perdeu o juízo como sugere em princípio o relato da pressão explícita
sobre ministros do Supremo Tribunal Federal para influir no julgamento do
mensalão, em particular da conversa com o ministro Gilmar Mendes eivada de
impropriedades por parte de todas as partes.
Lula não está fora de
si. Está, isto sim, cada vez mais senhor de si. Investido no figurino do
personagem autorizado a desrespeitar tudo e todos no cumprimento de suas
vontades.
E por que o faz? Porque
sente que pode. E pode mesmo porque deixam que faça. A exacerbação desse rude
atrevimento é fruto de criação coletiva e não surgiu da noite para o dia.
A obra vem sendo
construída gradativamente no terreno da permissividade geral onde se assentam
fatores diversos e interesses múltiplos, cuja conjugação conferiu a Lula o
diploma de inimputável no qual ele se encontra em pleno usufruto.
Nesse último e bastante
assombroso caso, produto direto da condescendência institucional - para dizer
de modo leve - de dois ex-presidentes da Corte guardiã da Constituição: o
advogado Nelson Jobim, que convidou, e o ministro Gilmar Mendes, que aceitou ir
ao encontro do ex-presidente.
Nenhum dos dois dispõe
da prerrogativa da inocência. Podiam até não imaginar que Lula chegaria ao
ponto da desfaçatez extrema de explicitar a intenção de influir no processo, aconselhando
o tribunal a adiar o julgamento e ainda insinuar oferta de "proteção"
ao ministro.
Inverossímil é que não
desconfiassem da motivação do ex-presidente que anunciou disposição de se
dedicar diuturnamente ao desmonte da "farsa do mensalão" e provou
isso ao alimentar a criação de uma comissão parlamentar de inquérito no intuito
de embaralhar as cartas e embananar o jogo.
Mas, apenas para
raciocinar aceitemos o pressuposto da ingenuidade, compremos a versão do
encontro entre amigos e consideremos natural tanto o convite quanto a anuência.
À primeira questão posta
- "é inconveniente julgar esse processo agora" -, à primeira pergunta
feita pelo ex-presidente - "não tem como adiar o julgamento?" -, se o
ministro Gilmar Mendes tivesse agradecido ao convite e polidamente se retirado,
não teria ouvido o que viria a seguir, segundo o relato que fez depois ao
presidente do STF, ao procurador-geral da República e ao advogado-geral da
União.
Narrativa esta que se
pressupõe verdadeira. Se aceitarmos a versão do desmentido apresentada por
Nelson Jobim teremos de aceitar a existência de um caluniador com assento no
Supremo Tribunal Federal e de esperar contra ele algum tipo de interpelação.
Tivesse dado por
encerrado o encontro logo de início, o ministro Gilmar Mendes não teria ficado
"perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do
presidente Lula".
Não teria ouvido alusões
ao seu possível envolvimento com o esquema Cachoeira - razão da oferta de
proteção na CPMI -, não teria escutado o ex-presidente chamar o ministro
Joaquim Barbosa de "complexado".
Não teria testemunhado
Lula desqualificar ao mesmo tempo o ex-ministro Sepúlveda Pertence e a ministra
Cármen Lúcia ao sugerir a existência de uma cadeia de comando com a frase
"vou falar para o Pertence cuidar dela".
É verdade que se tivesse
ido embora o ministro Gilmar Mendes teria poupado a si um enorme
constrangimento.
Mas não daria ao País a
oportunidade de saber que o ex-presidente tem acesso a informações de um
inquérito na data da conversa (26 de abril) ainda protegido por sigilo de
Justiça.
Não saberíamos que Lula
diz orientar a conduta do ministro Dias Toffoli - "eu falei que ele tem
que participar do julgamento"- e que afirma acompanhar de perto os passos
do ministro revisor do processo do mensalão, Ricardo Lewandowski - "ele só
iria apresentar o relatório no semestre que vem".
Em suma, ninguém fica
bem nessa história, mas Lula fica pior ao deixar que a soberba e o
ressentimento o façam porta-voz do pior combate: a desqualificação das
instituições. Entre elas o papel de ex-presidente da República.
Jornalista – Estado de São
Paulo
Gilmar Mendes diz que Lula plantou notícia
O G1, portal
de notícias da Globo na internet, publicou nesta terça feira (29) matéria sobre
entrevista do ministro Gilmar Mendes em que ele afirma que muitas informações
foram plantadas na imprensa por “gangsters, bandidos”. Oito minutos da gravação
foram, transcritos pelo portal. Leia:
Pergunta - Como fica essa
história que o ministro Jobim disse, que não teve esse teor de conversa
exatamente como o senhor falou? Um diz uma coisa, outro diz outra.
Se eu fosse Juruna eu gravava a conversa, né? Ficaria interessantíssimo.
Pergunta - O que o senhor acha
da situação toda? Leu a Carta Maior? A informação de que o senhor teria viajado
num jatinho?
Não viajei em jatinho coisa nenhuma. Até trouxe para vocês [documentos] para
encerrar esse negócio. Vamos parar com fofoca. A gente está lidando com
gangsters. Vamos deixar claro: estamos lidando com bandidos. Bandidos. Bandidos
que ficam plantando essas informações. Vocês se lembram do Gilmar de Mello
Mendes [em 2007, o nome "Gilmar de Melo Mendes" apareceu em
uma suposta lista da Polícia Federal de suspeitos de receber
"presentes" da empresa Gautama, suspeita de fraudes em licitações.
Posteriormente, a PF disse que se tratava de um homônimo, ex-secretário no
governo de Sergipe].
É o mesmo nível de informação.
Estamos lidando com gângsters. Está aqui. A minha viagem para Berlim, a partir
de Granada. Vocês têm todos os documentos com hotéis. Tem o voo TAM voltando
de....
Chega de lidar com bandidos.
Gângsters. Pegam essas informações e ficam plantando. Que nível. E com pouca
inteligência. Aparece o Demóstenes dizendo lá que estava comigo. Guarulhos,
Brasília com os pontos. Vamos parar com confusão, vamos parar com molecagem.
Vamos encerrar isso. Negócio de
viagem. Por que não se esclarece isso? Vamos dizer que o Demóstenes me
oferecesse uma carona num avião, se ele tivesse. Teria algo de anormal? Eu fui
duas vezes a Goiânia a convite do Demóstenes. Uma vez com Jobim e Toffoli. E
outra vez com Toffoli e a ministra Fátima Nancy. Avião que ele colocou à
disposição. Tudo combinado e muitos de vocês já ouviram. Tenho tudo anotado.
Era avião da empresa Voar. Foi tudo combinado, público. Eu não estava
escondendo nada. Por que esse tipo de notícia? Vamos dizer que eu tivesse pego
um avião se ele tivesse me oferecido? Eu tinha algum envolvimento com o
eventual malfeito dele? Que negócio é esse? Grupo de chantagistas, bandidos.
Desrespeitosos.
Mas eles não querem me
constranger não, queriam constranger o tribunal. É preciso encerrar de uma vez
por todos com isso. Vamos encerrar com isso. Não quero ter relação com
bandidagem e quem está fazendo isso é bandido.
É a mesma história de Gilmar de
Mello Mendes. [Agora voltam com essas historinhas.] Hoje tem um roteiro no
"Valor" dizendo das investigações: "Viagem a Berlim". Vocês
sabem que desde 1979 frequento a Alemanha a todo tempo. Tenho uma filha que
mora lá. Dou aula lá. Sou professor de Granada. Todo ano vou lá. Vocês vão ver,
a minha passagem é tirada pelo Supremo. Quem pagou? Eu preciso que alguém pague
a minha passagem, gente? O meu livro "Curso de Direito
Constitucional" vendeu de 2007 até agora 80 mil exemplares. Dava para dar
algumas voltas ao mundo. Não é viagem a Berlim. Vamos parar de conversa. Eu não
preciso de ficar me apropriando de fundo sindical e nem de dinheiro de empresa.
Pergunta - Quando o senhor se
refere a bandidos o senhor está se referindo às pessoas que fizeram as
gravações?
Gente que está usando esse tipo de informação. É coisa de gangsterismo.
Pergunta - Onde o presidente
Lula entra nessa história?
Ele recebeu esse tipo de informação. Gente que o
subsidiou com esse tipo de informação e ele acreditou nela. Vamos encerrar com
isso.
Pergunta - Ele estava passando
essas informações adiante?
As notícias que me chegaram era que sim. De que ele
era a central de divulgação disso.
Pergunta - Quem era a central?
O próprio presidente.
Estive com o embaixador Everton
Vargas (em Berlim), que foi designado pelo Lula. Quem vai para Berlim
clandestinamente vai a embaixada? Coisa de moleque e de baixa inteligência. É
gente que não tem [meio] neurônio. Para esclarecer tudo isso bastava um
telefonema para a embaixada. Não precisava se fazer essa rede de intriga que
está se fazendo. Chega disso.
Pergunta - Quando o senhor diz que estão tentando coagir o Supremo, o que
quis dizer?
O objetivo era melar o julgamento do mensalão. Dizer que o Judiciário está
envolvido em uma rede de corrupção. Era isso. Tentaram fazer isso com o Gurgel
e estão tentando fazer isso agora. Porque desde o começo eu assumi e não era
para efeito de condenação. Todos vocês conhecem as minhas posições em matéria
penal. Eu tenho combatido aqui o populismo judicial e o populismo penal.
Mas por que eu defendo o
julgamento? Porque nós vamos ficar desmoralizados se não o fizermos. Vão sair
dois experientes juízes, que participaram do julgamento anterior, virão dois
novos, que virão contaminados por uma onda de susp.... Por isso, o tribunal tem
que julgar neste semestre. Por isso que tem que julgar logo. E por isso essa
pressão para que o tribunal não julgue. Vamos encerrar com isso.
Agora, eu que viajo o mundo,
vou quatro vezes por ano à Comissão de Veneza, sou o representante do Brasil na
comissão, preciso de alguém para pagar passagem para mim? Vamos parar de
futrica. Não preciso ficar extorquindo van para obter dinheiro. O que é isso?
Um pouco mais de respeito, p....
Pergunta - Réus do mensalão
estariam envolvidos nessa tentativa de melar o julgamento?
Sei lá, mas alguém construiu essa lógica burra,
irresponsável, imbecil. Mas construiu.
Pergunta - O senhor quando diz
que o presidente Lula é a central de divulgação disso tudo...
Colegas de vocês que me disseram isso.
Pergunta - Quando o senhor
falou que o presidente Lula tocou no assunto CPI, o senhor falou 'vai fundo na
investigação'. Como ele reagiu?
Ele ficou decepcionado e disse assim: "E
Berlim?" Aí eu expliquei a ele que em Berlim eu ia tanto quando ele ia a São
Bernardo.
Pergunta - Por que o senhor
avalia que ele ficou decepcionado?
Alguém passou essa informação infeliz para ele,
errada. Esses roteiros meus de viagem são públicos. Vocês podem pedir no meu
gabinete. Eu não vou escondido para lugar nenhum.
Pergunta - Na sua avaliação o
presidente foi uma vítima desses gangsters ou estaria incluído nesse grupo de
pessoas?
Acho que ele está sobreonerado com isso. Estão
exigindo dele uma tarefa de Sísifo.
Pergunta - E essa
tarefa seria adiar o julgamento?
Evidente que... [a tarefa dele seria adiar o julgamento].